Um jogo de revezamento
Fleck, JF & Souza, F: Conexão Anticâncer 06(08), 2018
Os dados epidemiológicos da International Agency for Research on Cancer (IARC) mostram que o câncer de cólon e reto (CCR) é o terceiro mais incidente no homem (10% do total de neoplasias malignas) e o segundo mais incidente nas mulheres (9.2% do total de neoplasias malignas). A despeito da subnotificação, 1.36 milhões de casos novos são registrados anualmente no mundo, ocorrendo predominantemente (55%) em países desenvolvidos. Pacientes diagnosticados em estádios II e III são submetidos a tratamento com intenção curativa e passam a conviver com um risco de 40% de recidiva. Cerca de 95% das recidivas ocorrem nos primeiros 5 anos de acompanhamento, predominando (80%) nos primeiros 30 meses. Os guidelines internacionais tem favorecido uma vigilância intensiva após o tratamento primário, considerando o elevado índice de resgate curativo em sítios específicos de metastatização. Cirurgia de resgate em metástases hepáticas isoladas tem permitido 40% de sobrevida livre de progressão (SLP) em 5 anos de acompanhamento. Embora menos frequente, a ressecção de metástases pulmonares também convive com bons índices de SLP em 5 anos (35 - 45%). Curiosamente, as metástases assintomáticas são mais frequentemente passíveis de ressecção curativa. Revisões de meta-análise tem indicado que a vigilância intensiva comparada a um follow-up eventual ou ausente resulta em maior índice de detecção de metástases assintomáticas, maior índice de cirurgias com intenção de resgate curativo e maior sobrevida global. Embora exista consenso sobre a necessidade de acompanhamento por imagem (tomografias computadorizadas de tórax e abdômen -TCTA) e dosagem sérica do antígeno carcinoembriônico (CEA), não é uniforme o critério usado na periodicidade. A vigilância intensiva costuma ser caracterizada pela dosagem do CEA a cada três ou seis meses nos primeiros dois a três anos de acompanhamento, acrescida de TCTA anuais por um período de três a cinco anos. Embora haja custo-efetividade, estudos recentes tendem a minimizar este controle.
Em maio de 2018 a revista JAMA publicou os resultados do estudo COLOFOL. Trata-se de um estudo internacional prospectivo e aleatório que comparou dois critérios de follow-up em pacientes com CCR estádios II e III. Os pacientes foram distribuídos para um braço de testes em alta-frequência (CEA + TCTA em 6,12,18,24 e 36 meses) versus um braço de testes em baixa-frequência (CEA + TCTA em 12 e 36 meses). Em um tempo mediano de 5 anos de acompanhamento não houve diferença significativa em mortalidade global, sendo de 13.0% e 14.1% (p = 0.43), respectivamente nos braços de alta e baixa-frequência de testes. A periodicidade dos testes também não impactou nos índices de recidiva e mortalidade específica. O trabalho ainda não foi avaliado junto aos comitês internacionais para possível redefinição de guidelines. A transposição do conhecimento em follow-up costuma ser lenta ao ser comparada às intervenções terapêuticas. A justificativa talvez esteja relacionada a transferência de responsabilidade. Não é infrequente em sociedades com sistema de saúde estruturado que a vigilância passe a ser realizada por profissionais de saúde pública que dependem da visão crítica dos especialistas na incorporação de novos critérios. Trata-se de um jogo de revezamento em que a passagem do bastão conta definitivamente no resultado atingido.
Referência:
Wille-Jørgensen P et al. Effect of more vs less frequent follow-up testing on overall and colorectal cancer–specific mortality in patients with stage II or III colorectal cancer: The COLOFOL randomized clinical trial. JAMA 2018 May 22; 319:2095.
A detecção precoce e o aperfeiçoamento nos tratamentos permitiram ao longo dos anos que houvesse diminuição das taxas de mortalidade do câncer de colorretal. Associados a isso, para pacientes estágio mais avançados, os estudos têm como iniciativa tentar estabelecer periodicidade para acompanhamento da progressão do tumor através de tomografias de tórax e abdome. De acordo com o estudo COLOFOL não houve melhora na mortalidade global que fosse estatisticamente significativa ao se aumentar o número de TCs em um mesmo período de tempo. É importante que estudos assim sejam realizados para que os profissionais da saúde tenham o amparo científico necessário para diminuir a exposição do paciente a doses de irradiação as quais não vão trazer benefícios como aumento de sobrevida nem diminuição das taxas de mortalidade. Transpor resultados obtidos nesses estudos são de extrema importância para acompanhamento mais efetivo do paciente, além de que auxiliaria na diminuição dos custos para a saúde pública os quais são elevados tendo em vista realização de TCs além do necessário para follow-up.
O câncer colorretal é a terceira causa mais comum de morte por câncer nos EUA. Esse dado, associado às significativas taxas de incidência e de recorrência, refletem a necessidade de uma abordagem ampla e especializada, o que certamente coloca em teste o sistema de saúde brasileiro. Enquanto medidas como o rastreamento, de grande relevância nos casos de câncer colorretal, tendem a ser realizadas pela assistência primária, o tratamento requer o acompanhamento de especialistas no assunto. O mesmo revezamento ocorre em relação a produção científica, como mostra o texto acima: conhecimentos construídos por meio de pesquisas realizadas por especialistas são, na realidade, incorporados à prática clínica de profissionais da atenção primária. Esse cenário torna fundamental a integração e cooperação entre os diversos profissionais envolvidos no cuidado ao paciente, visando atendê-lo de forma adequada.
A cada 10 neoplasias, 1 provavelmente será de câncer de cólon e reto em adultos e idosos (incidência de em torno de 10% entre as neoplasias). É um câncer com alto índice de recidiva (até 40% nos estádios II e III), ocorrendo 80% delas nos 30 primeiros meses. Logo, a vigilância é mantida nesses pacientes, sendo intensiva com dosagem do CEA (de 3 em 3 ou de 6 em 6 meses no primeiros 3 anos) e com tomografia computadorizada de tórax e abdome (de 3 a 5 anos), visualizando também metástases. O estudo COLOFOL demonstrou que uma periodicidade mais intensiva destes exames (6,12,18,24 e 36 meses) versus uma mais branda (12 e 36 meses) não variou os índices de recidivas nem a mortalidade entre os grupos. Ainda não foi aderido a guidelines, mas já podemos imaginar o impacto financeiro que isso traz a sistemas públicos de saúde, além de maior conforto ao paciente, que se submete a um menor número de exames, ainda mais exames com radiação.
O câncer colorretal tem elevado índice de resgate curativo em sítios específicos de metastatização. Quanto antes ressecadas essas metástases, maior a sobrevida livre de progressão em 5 anos, o que, aliado ao fato de as metástases assintomáticas serem as mais frequentemente passíveis de ressecção curativa, reforça a importância da vigilância após o tratamento primário. Porém, ainda não há consenso sobre a periodicidade de tal vigilância. Recentemente, o estudo COLOFOL mostrou que não houve diferença estatisticamente significativa de mortalidade global entre os braços de alta e de baixa frequência de realização de exames de imagem. A busca por tentar elucidar a questão da periodicidade da vigilância é muito importante, pois nem sempre “mais é melhor”. A constante realização de exames de imagem pode passar um sentimento de segurança tanto para o médico, quanto para o paciente, mas não podemos esquecer que estamos tratando de custos, tempo, exposição à radiação e, talvez o mais importante, a possibilidade de nos depararmos com um resultado falso positivo capaz de levar a mais sofrimento e procedimentos desnecessários.
Levando em consideração a elevada incidência e prevalência de câncer colorretal, junto com os guidelines acima descritos, é possível perceber a magnitude do esforço mundial ao combate e detecção precoce para esse tipo de câncer. Por exemplo, visto que no Brasil homens e mulheres são aconselhados a fazerem colonoscopia de rastreamento após os 50 anos, considerando que esse exame também é terapêutico em alguns casos. É com grande prazer que vemos contínuos e incansáveis estudos de follow-up, rastreamento e condutas terapêuticas sendo publicados, podendo aumentar a sobrevida global dos pacientes acometidos por esse câncer e, ineditamente, a chance de se obter a cura em casos metastáticos. Esse esforço coletivo não só melhora sobrevida e qualidade de vida, mas também ajuda a desmistificar o câncer, um aspecto fundamental em minha opinião; cada vez mais se perceberá que câncer não significa morte em vários casos. Existe a possibilidade de tratamento e, em alguns casos, cura. Lembrando, é claro, que se trata de um esforço coletivo, no sentindo de não só envolver o médico, mas também o paciente e sua família. Mais especificamente sobre o artigo, observa-se que ainda se procura o melhor nicho de rastreamento e follow-up para câncer colorretal, por exemplo, um follow-up de 6 em 6 meses não se demonstrou mais eficaz que os de 12 em 12. Deve-se atentar também à invasão desnecessária do paciente, com exames frequentes e possibilidade de falsos-positivos. Logo, o rastreamento primário e subsequente follow-up para possíveis recidivas continuamente transformam o tratamento do câncer colorretal, observa-se um aumento de sobrevida e de detecção precoce deste tipo de câncer, viabilizando a cura. Mesmo com altas chances de recidivas e de presença de micro-metástases, o folow-up sugerido mostrou-se muito eficaz na prevenção secundária, possibilitando tratamento e cura dessas recidivas, inclusive das metástases hepáticas e alguma pulmonares.
Em tempos de exames desnecessários, que muitas vezes apresentam um ônus físico e psicológico, debater sobre seus efeitos reais no curso das doenças é essencial. No caso do câncer colorretal vemos duas situações distintas. De um lado, a colonoscopia preventiva após os 50 anos, que tem evidências bem consolidadas na detecção de lesões pré-malignas e malignas em fase inicial, com possibilidade curativa no próprio exame, que apesar de bem conhecida, percebo que ainda é pouco divulgada e praticada. Por outro lado, este estudo também demonstra que os pacientes em follow-up após o câncer inicial poderiam ser expostos a menos exames, com menos radiação, e os resultados seriam semelhantes a um acompanhamento mais frequente.
O câncer colorretal é uma das neoplasias mais prevalentes no mundo. Estima-se que, no Brasil, mais de 30000 novos casos são diagnosticados a cada ano. Esse tipo de câncer é o segundo mais comum em mulheres e o terceiro em homens. No Rio Grande do Sul temos a maior taxa de mortalidade pela doença entre as mulheres. Temos uma incidência de 3200 novos casos a cada ano. O estilo de vida do gaúcho, com uma dieta rica em proteínas (carnes vermelhas, embutidos) e pobre em vegetais, contribui diretamente para o surgimento desse tipo de tumor. Deste modo, uma dieta balanceada associada a uma rotina regular de exercício físicos, evitando o tabagismo, auxilia na prevenção dessa doença. O diagnóstico precoce é fundamental para o sucesso do tratamento. Contudo, o estudo COLOFOL, demonstrou não haver benefício em reduzir mortalidade quando os exames de seguimento são feitos em um menor período quando comparados a um intervalo maior de exames.
Tratando-se de uma das neoplasias mais prevalentes no mundo, em homens e mulheres, a qual tem elevado índice de resgate curativo em sítios específicos de metastatização, discutir sobre a vigilância do câncer colorretal e sua periodicidade após o tratamento primário torna-se um ponto essencial. É importante destacar o fato de que metástases assintomáticas são as mais passíveis de ressecção curativa, e de que quanto antes a ressecção dessas metástases ocorrer, maior será o período de sobrevida livre de progressão da doença em 5 anos; além disso, manter a vigilância e realizar exames de controle em períodos relativamente curtos pode ser um aspecto de segurança aos pacientes, visto que estes talvez se sintam melhor assistidos. Entretanto, o estudo COLOFOL mostrou que não há diferença estatística de mortalidade entre braços de alta e de baixa frequência de testes de imagem no seguimento dessas neoplasias. Nesse sentido, expor os pacientes a exames recorrentes, com radiação, e que requerem um custo ao sistema público de saúde, não traz benefício significativo, sendo possível dar segurança e apoio necessários aos pacientes mesmo que realizando exames de seguimento com intervalos maiores.
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