Quando um diabo traz um bom presságio
James Fleck: Conexão Anticâncer 16(06), 2020
Considerando ambos os gêneros, o câncer colorretal (CCR) é a segunda causa global em mortalidade por neoplasia maligna. De acordo com os dados epidemiológicos mais recentes da IARC, a CCR contribui para uma taxa bruta de mortalidade de 11,5 corrigida para 8,9 ao ser parametrizada pela idade das populações avaliadas. Apesar da efetividade da colonoscopia como método para o diagnóstico precoce do CCR, cerca de 21% ainda são diagnosticados como doença em estágio IV. O CCR é uma doença muito heterogênea, expressando vários subtipos moleculares que abrigam grande diversidade em características genéticas e clínicas. Aproximadamente 5% dos pacientes metastáticos têm um alto nível de instabilidade de microssatélites (high level of microsatellite instability = MSI-H) como consequência de uma deficiência de reparo no DNA tumoral (deficiency in mismatch repair = dMMR), o que leva a um estado altamente mutacional. O CCR MSI-H / dMMR esporádico geralmente se origina no lado direito do cólon, está fortemente associado à mutação BRAF V-600E e tem o pior prognóstico. Esse fenótipo caracteristicamente expressa uma menor taxa de resposta à quimioterapia com fluoropirimidinas, tanto no cenário adjuvante como no paliativo. Felizmente, alguns relatos preliminares mostraram respostas objetivas e duradouras com a imunoterapia, usando bloqueio PD-1 (morte programada-1) com agente único. Foi relatada uma taxa de resposta objetiva de 52% (RO) no tratamento paliativo de MSI-H / dMMR CRC metastático, com o uso exclusivo de pembrolizumab (inibidor de PD-1). Esse é um enorme progresso em medicina personalizada, não apenas porque esse subtipo molecular é preditivo de uma taxa de resposta aumentada à imunoterapia, mas também porque evita os eventos adversos costumeiramente associados à quimioterapia.
Recentemente, no American Society of Clinical Oncology Virtual Meeting 2020 foi apresentado o estudo prospectivo e randomizado de fase III denominado Keynote-177. O estudo clínico revelou uma duplicação na sobrevida livre de progressão (SLP) de pacientes com CCR MSI-H / dMMR metastático no braço teste tratado com pembrolizumab, em comparação com o braço controle tratado com quimioterapia. Um total de 307 pacientes CCR MSI-H / dMMR metastáticos foram aleatoriamente distribuídos, na proporção 1: 1 para o braço experimental (pembrolizumab 200 mg a cada 3 semanas) ou para o braço controle (mFOLFOX6 ou FOLFIRI a cada duas semanas ± bevacizumab ou cetuximab). Foi permitido o crossover, e foram eleitos como desfechos primários a SLP e sobrevida global. Os desfechos secundários foram RO e a segurança. A análise interina após um acompanhamento mediano em torno de 28 meses mostrou uma SLP mediana de 16,5 meses para o braço do pembrolizumab versus 8,2 meses para o braço controle (HR = 0,60, P = 0,0002). A RO também foi superior no braço experimental (43,8% versus 33,1%) e os eventos adversos de grau 3-5, relacionados ao tratamento foram menores no braço do pembrolizumab (22% versus 66%). O estudo não está maduro o suficiente para avaliar diferenças na sobrevida global, mas a magnitude do benefício em SLP antecipou um novo padrão de tratamento para o CCR MSI-H / dMMR metastático. Surpreendentemente, o braço do pembrolizumab apresentou uma maior taxa de progressão primária da doença em comparação àquela observada com quimioterapia (29,4% versus 12,3%). Este resultado inesperado deverá ser posteriormente investigado, visando esclarecer o comportamento biológico ambíguo do CCR MSI-H / dMMR metastático frente a imunoterapia. A identificação de marcadores preditivos de resposta à imunoterapia deverá preceder a inclusão de pembrolizumab em ensaios clínicos que explorem seu papel terapêutico no cenário adjuvante.
Referências:
1. International Agency for Research on Cancer (IARC) – World Health Organization, 2018 (https://www.iarc.fr)
2. Zoran Gatalica, Semir Vranic, Joanne Xiu, et all: High microsatellite instability (MSI-H) colorectal carcinoma: a brief review of predictive biomarkers in the era of personalized medicine, Familial Cancer15:405–412, 2016
3. Dung T. Le, Tae Won Kim, Eric Van Cutsem, et all: Phase II Open-Label Study of Pembrolizumab in Treatment-Refractory, Microsatellite Instability–High/Mismatch Repair–Deficient Metastatic Colorectal Cancer: KEYNOTE-164 J Clin Oncol 38:11-19, 2019
4. Thierry Andre, Kai-Keen Shiu, Tae Won Kim, et al: Pembrolizumab versus chemotherapy for microsatellite instability-high/mismatch repair deficient metastatic colorectal cancer: The phase 3 KEYNOTE-177 study, ASCO Meeting Abstract LBA4, 2020
“Final da quimioterapia”... As grandes mudanças no tratamento oncológico em curso e esperadas para as próximas décadas podem ser visualizadas em estudos como esse. A identificação de assinaturas genéticas específicas e o tratamento usando bloqueio de PD-1, promovendo reativação do sistema imunológico contra as células tumorais, mostra-se promissor no contexto de câncer colorretal MSI-H/dMMR metastático. Infelizmente, a resistência terapêutica parece continuar presente (em vista da maior taxa de progressão primária da doença no grupo pembrolizumab), mesmo em face de maior eficácia e tolerabilidade. Ainda que incerto, considerando o cross-over para o grupo intervenção, esperemos os resultados da sobrevida global!
Ótimos resultados. A descoberta das assinaturas moleculares mudou o cenário terapêutico na oncologia. Esperamos que nos próximos anos novos marcadores de expressão genica sejam desenvolvidos e imunoterapias sejam testadas a fim de atingirmos a tão esperada cronificação da neoplasia avançada.
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