Avançando na intenção curativa com custo-efetividade
Fleck, JF & Souza, F: Conexão Anticâncer 28(01), 2019
Dados epidemiológicos internacionais para tumores malignos foram atualizados em 2018 (Global Cancer Observatory, IARC, WHO), confirmando a liderança do câncer de pulmão na população integrada por homens e mulheres. Foram reportados 2093876 (ASR = 22.5) e 1761007 (ASR =18.6), respectivamente para os indicadores de incidência e mortalidade. O baixo índice de curabilidade do carcinoma brônquico não de pequenas células (CBNPC) é devido ao diagnóstico tardio, ocorrendo como doença metastática (50%) ou doença localmente avançada (30%). A melhora deste cenário vem sendo buscada com o uso de rastreamento da população de risco com tomografia helicoidal de baixa dose (THBD) e incorporação de novas drogas no universo dos tratamentos com intenção curativa. Infelizmente, a THBD ainda não está disponível na maior parte do planeta e as novas drogas têm sido testadas, predominantemente, no contexto paliativo.
Uma iniciativa inteligente foi a criação de uma hipótese alternativa, incorporando o uso de durvalumab (um inibidor de checkpoint imunológico anti-PDL1) ao tratamento de consolidação em pacientes com CBNPC estádio III irressecável. Em setembro de 2018, o New England Journal of Medicine publicou a segunda análise interina do PACIFIC Trial. Trata-se de um estudo prospectivo aleatório de fase III em que pacientes com CBNPC estádio III irressecáveis, mantidos sem progressão após quimioterapia + radioterapia definitiva, foram distribuídos na proporção de 2 x 1 visando consolidação no braço teste com durvalumab x braço controle com placebo, por um período de 12 meses. Os resultados confirmaram o benefício em sobrevida livre de progressão obtida com durvalumab (17.2 meses) versus placebo (5.6 meses), já identificado na primeira análise interina e adicionalmente revelaram um aumento no percentual de sobrevida em 24 meses, obtido em 66.3% dos pacientes no braço durvalumab, comparado com 55.6% dos pacientes no braço controle (HR = 0.68 P = 0.0025).
A nova estratégia terapêutica indica que vidas possam ser salvas, utilizando durvalumab no tratamento de consolidação do CBNPC estádio III irressecável. Porém, o provisionamento pelo sistema público de saúde necessita avaliação de custo-efetividade. Em dezembro de 2018, a revista JAMA oncology publica um elegante modelo de decisão baseado em microssimulação analítica e desenvolvido por pesquisadores do Massachusetts General Hospital (MGH), visando avaliar viabilidade econômica nos Estados Unidos (EU). Foi utilizado o parâmetro ICER (Incremental Cost-effectiveness Ratio), que é a razão obtida pela divisão do aumento em custo pelo incremento em QALY (Quality-Adjusted Life-Years). O conceito de QALY é quantitativo e qualitativo, pois leva em consideração o aumento em anos de vida, associado a condição de desempenho do paciente neste período. A custo-efetividade também é dependente do produto interno bruto (PIB) de cada País e consequente renda per capita (RPC), conduzindo a decisões individualizadas. Cada País estabelece um teto de custo por intervenção, normalmente ficando abaixo de três vezes o valor da RPC. Baseado no modelo do MGH, o uso de durvalumab no tratamento de consolidação de pacientes com CBNPC estádio III irressecável obteve um ICER per QALY de US$67421.00, ficando muito próximo da RPC nos EU (US$65000.00) e abaixo de teto estabelecido para a intervenção (US$100000.00). Baseado em algoritmos terapêuticos sustentados por evidências (best clinical care) o modelo de microssimulação analítica desenvolvido no MGH mostra que a consolidação com durvalumab no tratamento do CBNPC estádio III irressecável não somente seria custo-efetiva, como também proporcionaria prospectivamente em 5 anos uma economia no orçamento anual de 241 milhões de USD. A questão fica bem encaminhada sob a ótica individualizada, mas ainda insatisfatória no contexto universal.
* A figura representa as diferenças da RPC no mundo
ASR = Age-Standardized rate
Referências:
Antonia SJ, Villegas A, Daniel D, et al: Overall Survival with Durvalumab after Chemoradiotherapy in Stage III NSCLC, N Engl J Med379: 2342 – 50, 2018
Steven D. Criss, Meghan J. Mooradian, Deirdre F. Sheehan, et al: Cost-effectiveness and Budgetary Consequence Analysis of Durvalumab Consolidation Therapy vs No Consolidation Therapy After Chemoradiotherapy in Stage III Non–Small Cell Lung Cancer in the Context of the US Health Care System, JAMA oncology, Dec 13, 2018
Por mais de 30 anos, a investigação de vacinas e imunoterapias no câncer de pulmão produziu pouco em direção a um benefício significativo. Recentemente, no entanto, essa percepção mudou com base em resultados preliminares de estudos que usam anticorpos monoclonais que ativam a imunidade antitumor pelo bloqueio de pontos de verificação imunes. Anticorpos para receptor 1 de morte celular programada (PD-1, de programmed cell death) da célula T, nivolumabe e pembrolizumabe, mostraram produzir respostas no câncer de pulmão, no câncer de célula renal e no melanoma. Muitas das respostas tiveram duração muito longa (ou seja,> 1 ano). Anticorpos monoclonais para PD-1 (anti-PDL-1), que pode ser expresso na célula tumoral, também mostraram produzir respostas em pacientes com melanoma e câncer de pulmão. A incorporação do Durvalumab (inibidor de checkpoint imunológico anti-PDL1) ao tratamento de consolidação em pacientes com CBNPC estádio III irressecável parece ser um avanço cientifico de grande significância clínica para os portadores da doença, pois aumentou a taxa de sobrevida global em 24 meses. Atualmente tem se discutido o quão a melhora da sobrevida de um paciente com uma doença de alta taxa de mortalidade como CBNPC influencia na qualidade de vida dele. Não há dúvidas que o ensaio randomizado PACIFIC irá influenciar positivamente no tratamento de milhares de doentes; cabendo aos profissionais médicos, quando o medicamento estiver disponível, a utilização do olhar humanizado e individualizado para cada um deles.
Atualmente temos, no contexto global, o câncer de pulmão como líder na incidência em ambos os sexos e majoritariamente diagnosticado já em fases tardias e com pior prognóstico, principalmente o carcinoma brônquico não de pequenas células. Nesse contexto, o rastreamento em população de risco e o desenvolvimento de novas drogas mostram-se promissores, seja para diagnóstico precoce, seja para tratamento de estádios mais avançados. Em nossa realidade, infelizmente, o diagnóstico precoce ainda não se encontra disponível para maior parte da população e as pesquisas ainda buscam resultados promissores. O estudo recente que testou o uso do anticorpo monoclonal em pacientes com com CBNPC estádio III irressecável revelou-se bastante promissor, pois além de demonstrar considerável aumento de sobrevida nos pacientes também mostrou que o tratamento seria economicamente viável no contexto norte-americano. Agora, resta saber se o tratamento seria viável para a realidade brasileira, considerando se seria incorporado pelo sistema de saúde, tendo em vista que nosso país apresenta PIB e renda per capita inferiores aos EUA, se seria bem tolerado pela nossa população e se o aumento de sobrevida seria acompanhado de qualidade de vida ou estaríamos apenas prolongando o tempo de doença em nossos pacientes.
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