Cronificação do câncer de mama avançado Her2-positivo

Opções terapêuticas usando nanotecnologia

James Fleck, MD, PhD and Emily Tonin da Costa, MD: Conexão Anticâncer 9 (05), 2022


Dados do Global Cancer Observatory, indicam o câncer de mama como a principal neoplasia maligna em mulheres, atingindo uma incidência global de quase 2,3 milhões (ASR = 47,8) no mais recente relatório anual da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC). Atualmente, o câncer de mama é também a principal causa de mortalidade por doença maligna em mulheres em todo o mundo, conduzindo a aproximadamente 685.000 mortes, anualmente. Esses dados epidemiológicos globais conferem ao câncer de mama um risco de letalidade aparente de 29,8%. No Brasil e nos EUA, esta taxa de letalidade aparente cai para 23,4% e 16,8%, respectivamente. Nos Estados Unidos, até 5% das mulheres diagnosticadas com câncer de mama já têm doença metastática por ocasião da apresentação da doença e até 30% das pacientes com câncer de mama diagnosticadas em estágios iniciais irão desenvolver doença metastática. No Brasil, esses números são piores, o que é responsável pela diferença observada na taxa de letalidade aparente, entre os dois países. No mundo, aproximadamente 20% dos tumores de mama revelam superexpressão o receptor 2 do fator de crescimento epidérmico humano (Her2), uma glicoproteína transmembrana que induz a atividade da tirosina quinase. Para uma melhor compreensão da ativação e dimerização do receptor Her2 acesse o link abaixo. A superexpressão de Her2 está associada a um risco aumentado de recorrência da doença e a um pior prognóstico. Embora o câncer de mama metastático Her2-positivo seja uma doença incurável, sobrevida prolongada vem sendo alcançada com o duplo bloqueio Her2. Inicialmente, foi desenvolvido o trastuzumab, que se liga ao domínio extracelular do receptor Her-2, promovendo citotoxicidade e redução independente da proliferação celular. Posteriormente, foi identificado o pertuzumab, ligando-se a um epítopo distinto (subdomínio II) do domínio extracelular do receptor Her-2. A ação impediu a dimerização do receptor, levando ao comprometimento da função das células tumorais. O uso combinado de dois AcMo foi avaliado por um estudo prospectivo aleatório de fase III chamado CLEOPATRA. A diferença na SG mediana, favorecendo o duplo bloqueio (pertuzumab + trastuzumab + docetaxel) foi de 16,3 meses, quando comparado ao braço controle (placebo + trastuzumab + docetaxel). Após 8 anos de acompanhamento, uma análise histórica da população com intensão de tratar, constituída por mulheres com câncer de mama avançado Her-2 positivo submetidas a duplo bloqueio, mostrou uma sobrevida global sem precedentes de 37%, levando ao conceito de cronificação da doença. Apesar dos resultados encorajadores do estudo CLEOPATRA, a maioria das pacientes com câncer de mama metastático Her2-positivo irá progredir após o duplo bloqueio.

A questão seguinte é: qual tratamento deve ser utilizado após a progressão com duplo bloqueio? A nanotecnologia, usando conjugado anticorpo-droga (ADC), veio como uma alternativa muito promissora. Aqui, o trastuzumab, um AcMo anti-Her2 é combinado a um medicamento citotóxico, denominado proprietary payload por meio de um proprietary drug linker passível de clivagem. Trastuzumab é muito específico na identificação de células do câncer de mama Her2-positivas, dirigindo o ADC para o alvo biológico. O complexo permanece estável na circulação, evitando a liberação sistêmica, inespecífica e indesejável da quimioterapia. Finalmente, o complexo é endocitado e fundido com um lisossomo, onde sofre degradação proteolítica, liberando finalmente sua proprietary payload (quimioterapia). Eventualmente, há também um bystander effect, pois as células vizinhas Her2-negativas também são expostas à citotoxicidade, presumivelmente devido a sua permeabilidade transmembrana e, portanto, à difusão intercelular da carga útil. Duas iniciativas concorreram, sequencialmente, nesse cenário terapêutico. Primeiro, surgiu o trastuzumab emtansine (TDM-1), que é um ADC composto de trastuzumab, ligado de forma estável ao DM1 (proprietary payload). T-DM1 carrega uma média de 3,5 moléculas de DM1 por cada molécula de trastuzumab. Cada molécula de DM1 é conjugada com trastuzumab através do MCC (proprietary drug linker), que é um ligante tioéter não redutível N-succinimidil-4-(N-maleimidometil) ciclohexano-1-carboxilato. O DM1 tem um mecanismo de ação semelhante aos alcaloides da vinca, mas 100 vezes mais potente. Outro medicamento promissor é o trastuzumab deruxtecan. Este ADC combina trastuzumab com DXd, um inibidor citotóxico da topoisomerase I (proprietary payload), usando um ligante à base de tetrapeptideo passível de clivagem (proprietary drug linker). Após a ligação às células do câncer de mama Her2-positivas, o trastuzumab deruxtecan sofre internalização e clivagem intracelular por enzimas lisossômicas. Após ser liberado, o DXd causa danos ao DNA e morte celular por apoptose. O DXd citoplasmático apresenta permeabilidade transmembrana, sendo também eficaz em destruir células de câncer de mama vizinhas Her2-negativas (bystander effect).


Em março de 2022, o New England Journal of Medicine publicou o estudo DESTINY-Breast03, um estudo aleatório de fase III, multicêntrico, aberto, comparando a eficácia e a segurança dos dois tratamentos ADC atualmente disponíveis para câncer de mama avançado. Um total de 524 pacientes com câncer de mama avançado Her2-positivo que progrediram durante ou após trastuzumab + taxano foram aleatoriamente designados 1:1 para receber trastuzumab emtansine ou trastuzumab deruxtecan. O desfecho primário foi a sobrevida livre de progressão (SLP) e os desfechos secundários incluíram sobrevida global, resposta objetiva e segurança. A SLP em 12 meses, foi significativamente maior (HR = 0,28, P <0,001) utilizando trastuzumab deruxtecan (75,8%) versus trastuzumab emtansine (34,1%). Apesar de um limite significativo pré-especificado não ter sido atingido, a percentagem de pacientes vivos em 12 meses foi maior no braço de trastuzumab deruxtecan (94,1%) do que no braço de trastuzumab emtansine (85,9%). Um seguimento mais longo será necessário para avaliar melhor a sobrevida global mediana. Houve maior toxicidade grau 3 ou 4 associada ao trastuzumab deruxtecan (45,1%) do que ao trastuzumab emtansine (39,8%). Gerou preocupação, a doença pulmonar intersticial relacionada ao medicamento ou pneumonite, ocorrendo em 10,5% das mulheres tratadas com trastuzumab deruxtecan.

Em maio de 2022, a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA aprovou o trastuzumab deruxtecan para pacientes com câncer de mama avançado Her2-positivo previamente tratados e que progrediram no cenário metastático ou dentro de 6 meses após o tratamento neoadjuvante. A revisão foi conduzida no âmbito do Projeto Orbis, que fornece uma estrutura para submissão e revisão simultânea de medicamentos oncológicos entre parceiros internacionais. No entanto, outras revisões de submissão podem estar em andamento em agências reguladoras. Ao pedido foi concedido Revisão Prioritária, designação de Terapia Inovadora e designação de Medicamento Órfão.


Link: (https://anticancerweb.com/educacao/when-a-clinical-trial-turns-into-a-win-win-game)
ASR = Age-standardized Rate, IARC = International Agency for research on Cancer, AcMo = Anticorpo Monoclonal, SG = Sobrevida Global, ADC = Antidrug Conjugate, SLP = Sobrevida Livre de Progressão


Referências:

 

1.      Global Cancer Observatory: International Agency for Research on Cancer (IARC), World Health Organization, 2020

2.      Natalia V. Sergina and Mark M. Moasser: The HER family and cancer: emerging molecular mechanisms and therapeutic targets, Trends Mol Med, 13(12): 527–534, 2007

3.      Thuy Vu and Francois X. Claret: Trastuzumab: updated mechanisms of action and resistance in breast cancer, Frontiers of Oncology 2 (62), 2012M. 

4.      Capelan, L. Pugliano, E. De Azambuja, at al: Pertuzumab: new hope for patients with HER2-positive breast cancer, Annals of Oncology 24: 273–282, 2013

5.      Swain SM, Miles D, Kim SB, et al: Pertuzumab, trastuzumab, and docetaxel for HER2-positive metastatic breast cancer (CLEOPATRA): end-of-study results from a double-blind, randomised, placebo-controlled, phase 3 study. Lancet Oncol 21:519, 2020

6.      Cortés J, Kim SB, Chung WP, et al: Trastuzumab Deruxtecan versus Trastuzumab Emtansine for Breast Cancer. N Engl J Med 386:1143, 2022

7.      FDA Grants Regular Approval to Fam-Trastuzumab Deruxtecan-nxki for Unresectable or Metastatic Her2-positive Breast Cancer, The ASCO Post, 5/5/2022 11:15:40 AM, 2022