Taxa bruta de mortalidade por câncer e cinética global da pandemia de SARS-COV2
James Fleck: Conexão Anticâncer 18 (05), 2020
Taxa bruta de mortalidade corresponde ao número total de mortes por uma doença específica em uma área geográfica definida, dividido pela população total na mesma área geográfica e multiplicado por 100.000. O Global Cancer Observatory é uma plataforma interativa da Web que coleta dados de 185 países ou territórios, monitorando 36 tipos de doenças malignas. Os dados são fornecidos pela International Agency for Research on Cancer (IARC), uma iniciativa intergovernamental da Organização Mundial da Saúde. Os dados são sustentados, predominantemente, por registros de câncer de base populacional, onde a taxa bruta de mortalidade é um critério utilizado para estimar a dimensão global de câncer. Como os dados epidemiológicos são retrospectivos, o relatório mais recente corresponde ao ano de 2018. Com base nesses dados, a incidência e mortalidade mundial por câncer de pulmão são respectivamente de 2.093.876 e 1.761.007 casos, o que representa uma taxa bruta de incidência de 27,4 / 100.000 habitantes e uma taxa bruta de mortalidade de 23,1 / 100.000 habitantes. O câncer de pulmão é a principal causa de morte por doenças malignas no mundo. Admitindo que o câncer de pulmão de pequenas células (CPPC) representa 15% da incidência total de câncer de pulmão, é possível estimar 314.081 novos casos de CPPC diagnosticados anualmente no mundo. Considerando a alta letalidade do CPPC (94%), há no mundo uma estimativa anual de 295.236 mortes atribuídas ao CPPC. Coincidentemente, os dados fornecidos pelo Center for Science and Systems Engineering at John Hopkins University (CSSEJH) em 15 de maio de 2020 às 15:30, mostravam 305.395 mortes atribuídas ao COVID-19 no mundo. Números muito próximos, o que significa que o SARS-COV2 em apenas três meses já causou um número absoluto de mortes maior que o número estimado global de mortes anuais por CPPC, considerada uma das neoplasias mais agressivas e letais. Os EUA têm o maior número de casos confirmados de COVID-19 (CSSEJH: 16 de maio de 2020 às 15:30 PM = 1.429.990), o que está relacionado a 86.744 mortes. A população atual dos EUA é de 330.753.490 habitantes. Utilizando apenas dados dos EUA, é possível estimar uma taxa bruta de mortalidade por COVID-19 de 26,23 / 100.000 habitantes nos últimos três meses, superando a taxa bruta global de mortalidade para todos os tipos de câncer de pulmão, relatada pela IARC (23.1 / 100.000 habitantes). Nos EUA, o câncer de mama é a principal doença maligna em mulheres, expressando uma taxa bruta de mortalidade de 25,4 / 100.000. Esse número também foi superado pela taxa bruta de mortalidade por COVID-19, observada nos últimos três meses. A tabela, em anexo, mostra dados epidemiológicos para os dez países com a maior incidência de COVID-19 no mundo. Observa-se que a taxa bruta de mortalidade estimada para COVID-19, em cada país, encontra-se muito próxima daquela relatada para diferentes tipos de tumores malignos.
TBM = Taxa Bruta de Mortalidade
Esta é apenas uma equação matemática, para exercício de visão crítica. É importante considerar que ambos os dados estão atualmente subestimados no mundo. Na base de dados da IARC, o registro de câncer de base populacional não possui a mesma abrangência nos diferentes países. Consequentemente, as taxas de incidência e mortalidade relatadas correspondem apenas a estimativas. Da mesma forma, os dados da COVID-19 fornecidos pelo CSSEJH, também revelam grande discrepância nas taxas de incidência e mortalidade reportadas em diferentes países. A heterogeneidade dos dados pode ser explicada pelo início não sincronizado da doença ou pela desigualdade dos países na adoção de medidas preventivas e protetoras. As discrepâncias podem ser ampliadas pelo rápido curso clínico da COVID-19, associado a uma distribuição desigual dos testes diagnósticos RT-PCR no mundo. Além disso, um grande número de pacientes é oligossintomático ou assintomático. Essas limitações criam dificuldades para a identificação precisa do numerador das frações. No entanto, apesar das limitações metodológicas, a COVID-19 já atingiu, em três meses, uma taxa bruta de mortalidade muito próxima daquela reportada no ano de 2018 para diferentes tipos de tumores malignos ao redor do mundo.
Referências:
1. International Agency of Research on Cancer (IARC): Cancer Today, 2018
Link: https://gco.iarc.fr/today/online-analysis-table
2. Center for Science and Systems Engineering at John Hopkins University, 2020
Link: https://www.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6
Atualizando essas comparações, ao momento desse comentário (27/06/2020 - 15h), o Brasil já soma mais de 1,2 milhão de casos, com mais de 56 mil mortes, o que configura uma TBM de 26,7 aproximadamente. Em comparação, a TBM por Diabetes Mellitus no Brasil é de 27,9, e por violência interpessoal, 27,1.
A rápida escalada no número de casos e de mortes pela Covid-19 faz com que a doença ocupe posição de destaque no cenário mundial, de acordo com a Global Burden of Disease (GBD). Após a pandemia, os esforços devem se somar no sentido de prevenir futuras ameaças. No mundo globalizado em que vivemos, a sociedade deve trabalhar em conjunto com os profissionais de saúde e demais cientistas para evitar novas pandemias em que são microrganismos os oponentes que nos impõem maior risco.
Ao utilizar essa comparação entre mortes por COVID-19 e mortes por neoplasias torna-se claro a importância internacional dessa nova doença. Consequentemente, devemos, como comunidade global, nos mobilizar contra novas doenças, não apenas criando vacinas e fármacos, mas para impedir seu alastre. Assim como temos financiamentos exorbitantes para tratamentos, curas e prevenções de neoplasias, devemos ter financiamento contra doenças infecciosas emergentes.
No cenário atual de enfrentamento da pandemia atribuída ao COVID-19, comparar os números com câncer de alta incidência e mortalidade nos remete a magnitude do que enfrentamos. Cabe aqui o pensamento generalizado de, não estarmos lidando como gostaríamos com o momento atual, visto que no que diz respeito ao COVID-19 isolamos um único agente infeccioso, e no que diz respeito ao câncer, principalmente os mais incidentes, o quanto evoluímos e ainda devemos evoluir sem lutar isoladamente contra um agente e sim com resolução de dano, tornando muito complexo, demorado e contínuo o estudo acerca de determinados tipos de câncer. E, diante disso, fica explícita a necessidade de ciência de qualidade para combater doenças já conhecidas ou que virão a surgir.
Dadas as atuais circunstâncias e a mortalidade da COVID-19, é difícil mensurar o aumento da taxa de neoplasias pulmonares nos pacientes pós-infecção e recuperação, porém os dados epidemiológicos com certeza serão imprescindíveis na identificação de um possível aumento de risco para esse tipo de doença, que já representa o tumor primário mais mortal em diversos países.
Atualmente, do momento em que falo (10/08/2020), o Brasil soma um total de 3 milhões de casos, com mais de 100 mil mortos, contrastando bastante com o comentário da colega Larissa, que, há 1 mês retratava uma realidade já torpe de 1 milhão de casos. Naquele momento, a TBM do covid para o Brasil era de 26, enquanto agora é 48, o que denota um potencial destrutivo grande desta pandemia.
Hoje, restando menos de dois meses para o fim de 2020, já é incontestável a imensidão do problema que o mundo enfrenta. A comparação das taxas brutas de incidência e mortalidade do câncer com a Covid-19 já não é mais preocupante, e sim aterrorizante. Já são mais de 50 milhões de casos e 1.2 milhões de mortes no mundo. Ouve-se muitas críticas acerca de uma possível supervalorização dos danos da Covid-19. Porém, ao observarmos uma confrontação de dados como essa, é evidente que, na verdade, deveríamos combater a pandemia com ainda mais intensidade.
Infelizmente, mesmo com comparações numéricas expressivas como as apresentadas no artigo, bem como o aumento exponencial do número de casos e mortes por COVID - 19; após aproximadamente 9 meses do início dos casos no Brasil, a população ainda negligencia os cuidados de higiene, uso de máscara, e distanciamento social.
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