Câncer e anticoncepção hormonal

Ilustrando as limitações metodológicas e as contradições 

Rebelatto, T & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 29 (01), 2018

Os métodos contraceptivos hormonais contemporâneos incluem estrógeno e/ou progestágenos em diversas formas de administração. No passado, estudos caso-controle estabeleceram uma relação de associação positiva entre anticoncepção oral e risco de cancer de mama. Todavia, mais recentemente houve na anticoncepção oral redução na dose de estrógeno e introdução de novos progestágenos, tornando novamente indefinida sua relação com cancer de mama. Adicionalmente, novos métodos foram introduzidos como o dispositivo intrauterino com liberação hormonal (DIU-H), adesivos contraceptivos, anéis vaginais, bem como outras formas implantáveis e injetáveis, compondo 1/3 dos métodos hormonais de anticoncepção. No mundo, 140 milhões de mulheres utilizam alguma forma de anticoncepção hormonal (AH), criando um cenário epidemiológico inquietante na avaliação de risco.

Em dezembro de 2017, o New England Journal of Medicine publica um estudo dinamarquês prospectivo, avaliando a associação entre o uso de AH e o risco de cancer invasivo de mama. Subvencionado pela Novo Nordic Foundation o estudo acompanhou aproximadamente 1,8 milhões de mulheres usuárias de diversas formas de AH no período compreendido entre 1995 e 2012. Esta população inclui todas as mulheres dinamarquesas em uso de AH na  faixa etária dos 15 aos 49 anos. Foram excluídas mulheres previamente tratadas para infertilidade ou com história pregressa de tromboembolismo venoso ou neoplasia maligna, exceto cancer de pele não-melanoma. Os dados de AH foram obtidos no National Register of Medicinal Product Statistics e categorizados conforme o tempo decorrido de descontinuação: uso corrente ou recente, quando descontinuado no período 6 meses, imediatamente anterior ou uso prévio, quando descontinuado há mais de seis meses. No grupo de AH classificado como uso corrente ou recente o risco relativo de desenvolver cancer invasivo de mama foi de 1,2 quando comparado com mulheres que nunca fizeram uso de AH. O risco de câncer de mama invasivo aumentou com a duração da AH, sendo de 1.09 para mulheres que usaram por período inferior a 1 ano e de 1.38 para mulheres com uso acima de 10 anos ( p= 0.002). Um risco relativo de 1.21 foi também observado em mulheres que utilizaram DIU-H. Mesmo após descontinuar o uso da AH, o risco de cancer invasivo de mama permanece aumentado em mulheres que usaram AH por mais de cinco anos. Embora alarmante, estes resultados devem ser interpretados sob a ótica de suas limitações metodológicas e cotejados com a publicação do Royal College of General Practitioners’ Oral Contraception Study que aponta para uma redução do risco acumulativo de outros tipos de cancer (cólon, endométrio e ovário) em mulheres usuárias de anticoncepção oral.

 

Referências:

Mørch, LS; Skovlund, CW; Hannaford, PC; et al: Contemporary Hormonal Contraception and the Risk of Breast Cancer, N Engl J Med 377: 2228-36, 2017

Iverson L, Sivasubramaniam S, Lee AJ, et al: Lifetime cancer risk and combined oral contraceptives: the Royal College of General Practitioners' Oral Contraception Study, Am J Obstet Gynecol 16(6): 580, 2017