Novo e surpreendente standard terapêutico
Fleck, JF: Conexão Anticâncer 02 (02), 2020
Dados epidemiológicos recentes publicados pela American Cancer Society em 2019 revelaram o câncer pâncreas como a quarta causa de morte por neoplasias malignas nos EUA. A maioria dos casos é diagnosticada como doença localmente avançada (29%) ou metastática (52%), respectivamente, conduzindo a uma taxa de sobrevida limitada a 12% e 3% em cinco anos de acompanhamento. O câncer de pâncreas metastático tem sido historicamente refratário ao tratamento sistêmico. O estudo prospectivo ACCORD de fase III, randomizou um grupo selecionado de pacientes com câncer de pâncreas metastático (PS 0 ou 1 e bilirrubina sérica <1,5 vezes o limite superior da normalidade) para receber FOLFIRINOX ou gemcitabina. O estudo teve interrupção precoce devido à superioridade do tratamento combinado (RO: 32% versus 9%, SLP: 6,4 meses versus 3,3 meses e SG-m: 11,1 meses versus 6,8 meses). Apesar do aumento significativo nos desfechos, a sobrevida global mediana ainda permaneceu menor que um ano.
Os avanços viriam por identificação com sequenciamento de última geração de novos marcadores prognósticos e preditivos. Mutações germinativas BRCA1/2 ou PALB2 (gBRCA-PALB2+) disfuncionais foram relacionadas a um risco aumentado de adenocarcinoma ductal pancreático (ACDP) e observadas em até 9% dos pacientes. Como os genes BRCA codificam proteínas envolvidas no reparo por recombinação homóloga das quebras na dupla hélice do DNA, o fenótipo mutado provoca um reparo ineficaz e uma sensibilidade crescente à quimioterapia baseada em platina. As células com câncer de pâncreas com mutação BRCA também são sensíveis aos inibidores da PARP (poly-adenosine diphosphate-ribose polymerase). A inibição da PARP gera, nas células em replicação, rupturas na dupla hélice de um DNA tumoral, que já apresenta deficiência no processo de reparo por recombinação homóloga. O estudo POLO de fase III, duplo-cego e controlado por placebo, incluiu 154 pacientes com ACDP BRCA-mutados e metastáticos que não haviam progredido durante as primeiras 16 semanas do início da quimioterapia de primeira linha à base de platina. Os pacientes foram randomizados na proporção de 3:2 para receber terapia de manutenção com um inibidor da PARP (olaparib) ou placebo. O SLP foi significativamente maior no braço do olaparib (7,4 meses versus 3,8 meses HR = 0,53, P = 0,004). A análise interina com uma maturidade de dados de 46% revelou uma surpreendente sobrevida global mediana longa em ambos os braços (18,9 meses no braço olaparib e 18,1 meses no braço placebo HR = 0,91 P = 0,68), confirmando que a mutação germinativa BRCA é um marcador prognóstico para ACDP metastático.
A utilidade do uso simultâneo ou sequencial de inibidores da PARP tem sido bem estabelecida no carcinoma de mama e ovário BRCA-mutados. Um estudo multicêntrico de fase I usando cisplatina, gemcitabina e veliparib simultâneos em pacientes com ACDP BRCA-mutados e metastáticos mostrou inusitadas taxa de resposta objetiva de 78% e sobrevida global mediana de 23,3 meses. Em 24 de janeiro de 2020, o Journal of Clinical Oncology publicou um estudo randomizado de fase II multicêntrico, projetado para investigar o benefício da adição de veliparib ao dublet de quimioterapia (cisplatina + gemcitabina) como tratamento de primeira linha do gBRCA-PALB2+ ACDP. A taxa de sobrevivência em dois e três anos para toda a coorte foi, respectivamente, de 30,5% e 17,8%, confirmando o melhor prognóstico da expressão fenotípica gBRCA-PALB2+ ACDP. Além disso, o estudo atingiu 100% na taxa de controle da doença (TCD), favorecendo o uso exclusivo do dublet de quimioterapia versus seu uso combinado com veliparib (TCD = 78,3% P = 0,02). Esse resultado inesperado foi associado a um melhor índice terapêutico, tornando o dublet cisplatina + gemcitabina um tratamento padrão interino para o gBRCA-PALB2+ ACDP.
Abreviações: EUA = Estados Unidos da América, PS = Performance status (ECOG), FOLFIRINOX = Oxaliplatina + Leucovorin + Irinotecan + Fluorouracil, RO = Resposta objetiva, SLP = Sobrevida livre de progressão, SG-m = Sobrevida global mediana
Referencias:
Rebecca L. Siegel, Kimberly D. Miller and Ahmedin Jemal: Cancer Statistics 2019, Ca Cancer J Clin 69: 7-34, 2019
Thierry Conroy, Françoise Desseigne, Marc Ychou, et al: FOLFIRINOX versus Gemcitabine for Metastatic Pancreatic Cancer, N Engl J Med 364:1817-25, 2011
Talia Golan, Pascal Hammel, Michele Reni, et al: Maintenance Olaparib for Germline BRCA-Mutated Metastatic Pancreatic Cancer, N Engl J Med 381(4): 317–327, 2019
Eileen M. O’Reilly, Jonathan W. Lee, Maeve A. Lowery, et al: Phase I Trial Evaluating Cisplatin, Gemcitabine and Veliparib in Two Patient Cohorts: Germline-BRCA Mutation Carriers and BRCA Wild-Type Pancreas Ductal Adenocarcinoma, Cancer 124(7): 1374–1382, 2018
Eileen M. O’Reilly, Jonathan W. Lee, Mark Zalupski, et al: Randomized, Multicenter, Phase II Trial of Gemcitabine and Cisplatin with or without Veliparib in Patients with Pancreas Adenocarcinoma and a Germline BRCA/ PALB2 Mutation, J Clin Oncol January 24th, 2020 DOI https://doi. org/10.1200/JCO.19. 02931
Por conta do câncer de pâncreas possuir um histórico de refratariedade ao tratamento sistêmico buscou-se, através de estudos, como o ACCORD de fase II, achar novos tratamentos que aumentem a sobrevida global, o que não foi possível nesse estudo. A partir de novos estudos, soube-se que as células com câncer de pâncreas com mutação BRCA também são sensíveis aos inibidores da PARP, surgindo assim uma possibilidade de tratamento utilizando-se dessa informação. O estudo POLO aprofundou essa dúvida e confirmou que o tratamento com olaparib (um inibidor da PARP) foi superior, com uma diferença de 7,4 meses versus 3,8 meses . Agora, começo de 2020, o journal of Clinical Oncology publicou que o dublet cisplatina + gemcitabina é mais eficaz que o tratamento padrão interino para o gBRCA-PALB2+ ACDP. A partir disso, demos mais um avanço para compreender o câncer de pâncreas e as possibilidades para aprimorar seu tratamento, por enquanto, para o gBRCA-PALB2+ ACDP.
O sequenciamento de mutações de genes como BRCA1/2 ou PALB2 trouxe mudanças no paradigma e na evolução da doença, mesmo em estados metastáticos. Tendo em vista essas mutações, o tratamento também acompanhou, tendo a transposição de terapias usadas especificamente para elas de outras condições, como o câncer de mama. Os estudos, mesmo tendo resultados conflitantes quando afirmam a melhora com uso de inibidor da PARP, chegam a mesma conclusão prognóstica do câncer quando com essas mutações, de 18 meses de sobrevida, aproximadamente. Embora reste elucidação sobre a validade de uso de inibidor da PARP no ACDP, o dublet cisplatina + gemcitabina fundamenta-se como essencial na terapêutica, embasado em fortes evidências.
O desenvolvimento de novas associações de fármacos no tratamento de câncer de pâncreas é fundamental, em vista deste estar entre os cânceres de pior desfecho e de menor taxa de sobrevida. O uso simultâneo ou sequencial de inibidores da PARP mostra-se muito favorável, não apenas para câncer de pâncreas, já que outros cânceres também estão relacionados a mutações dos genes BRCA, como o câncer de mama.
O diagnóstico de câncer de pâncreas normalmente está associado a um prognóstico reservado, visto que a taxa de sobrevida em 5 anos é bastante baixa se comparada a outras neoplasias. Aqui se observa, da mesma forma que ocorre com o câncer colorretal metastático - dentre outros exemplos -, é de que a identificação da assinatura molecular dos cânceres vem revolucionando o manejo e permitindo um tratamento mais personalizado para cada paciente, o que tem, na prática, sinalizado para um caminho de melhora prognóstica significativa, especialmente porque, com terapias mais “direcionadas”, se consegue diminuir efeitos adversos e aumentar a adesão aos tratamentos.
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