Benefício discutível após 20 anos de acompanhamento
Rebelatto, TF & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 29(08), 2017
O cancer de próstata é a neoplasia maligna de maior incidência e a segunda em mortalidade no sexo masculino. Dados epidemiológicos da American Cancer Society, mostram que 90% dos casos são identificados pela elevação do PSA sérico e com doença clinicamente localizada. Diversos estudos clínicos internacionais tem questionado a necessidade da prostatectomia radical (SPCG-4) e da radioterapia (ProtecT Trial) neste grupo específico de pacientes. O objetivo tem sido avaliar desfechos de mortalidade e morbidade obtidos com a prostatectomia radical ou a radioterapia comparadas com a observação clínica (watchful waiting).
Em julho de 2017, o New England Journal of Medicine publica os dados de 20 anos de seguimento do PIVOT Trial. Trata-se de um estudo clinico aleatório, multicêntrico, que recrutou pacientes com cancer de próstata localizado (T1-2NxM0) incluindo qualquer grau histológico, PSA menor do que 50ng/mL, idade inferior ou igual a 75 anos e com uma expectativa de vida maior do que 10 anos. Foram avaliadas duas intervenções: prostatectomia radical versus conduta expectante, associada ao tratamento na progressão da doença. O desfecho principal foi a mortalidade global, seguido de mortalidade específica por cancer de próstata. No período de 1994 a 2002 foram selecionados 731 pacientes, igualmente distribuídos entre os dois grupos. Observou-se que a prostatectomia radical não foi capaz de reduzir a mortalidade geral e a mortalidade específica por cancer de próstata quando comparada à conduta expectante. A incidência acumulativa de morte ao longo de 19,5 anos de seguimento foi de 61.3% no grupo de pacientes submetidos a cirurgia versus 66.8% nos pacientes mantidos em vigilância ativa, não demonstrando diferença significativa (p=0.06). A sobrevida mediana foi de 13 anos no grupo da cirurgia versus 12,4 anos no grupo da conduta expectante. A análise de subgrupos mostrou que apenas os pacientes com risco intermediário tendem a beneficiar-se da estratégia cirúrgica. Porém, a análise de risco continua sendo muito heterogênea. Pacientes submetidos à cirurgia tiveram menor taxa de tratamentos associados a progressão da doença, mas em contrapartida maior taxa de complicações locais (incontinência urinária e disfunção erétil). Os dados maduros do PIVOT Trial conduzem a uma reflexão crítica adicional sobre o custo-efetividade da cirurgia no cancer de próstata localizado.
Referência:
Wilt, T J; Jones, K M; Barry, M J, et al: Follow-up of Prostatectomy versus Observation for Early Prostate Cancer, N Eng J Med 377: 132 – 142, 2017
O câncer de próstata está no centro da atenção de homens adultos e idosos, sendo também foco de programas de screening populacional. Seu tratamento ideal, no entanto, ainda precisa ser melhor avaliado. Considerando-se que pesquisas mostram resultados piores ou não significativos estatisticamente para uma intervenção cirúrgica, quando comparada à conduta expectante, deve-se ter cautela na prescrição irrestrita de intervenções invasiva. É importante levar em consideração os riscos para cada paciente e prezar sempre pela não-maleficência.
A cirurgia pode trazer benefícios que justificam os prejuízos para os homens mais jovens, isto é, homens com expectativa de vida muito longa, e para os homens com doença de risco intermediário. Entretanto, qualquer benefício deve ser ponderado com os prejuízos decorrentes do tratamento. Os homens com diagnóstico atual de câncer de próstata provavelmente terão melhor prognóstico com a adoção da conduta expectante do que os homens que estão participando do PIVOT, pois em geral apresentam resultados de menor volume e títulos mais baixos de antígeno prostático específico e, portanto, doença mais indolente. Desse modo, qualquer possível benefício de mortalidade seria menor em termos absolutos e exigiria mais tempo para se estabelecer.
É interessante que a reconsideração de conduta quanto ao câncer de próstata esteja sendo efetuada em diversos campos, tanto na prevenção com o screening ( já que a evidência atual diz que os exames de PSA e toque retal não são efetivos antes dos 50 anos, salvo negros e histórico familiar positivo, sendo depois dessa idade recomendável a individualização de cada caso e a decisão compartilhada) e, agora, com o tratamento, como visto acima. É curioso que a prostectomia radical não seja efetivamente melhor que a observação e tratamento clínicos, apenas aumentando o risco de sequelas sérias que interferem na qualidade de vida do paciente. Este estudo vai ao encontro das diretrizes atuais, que fornece múltiplas abordagens de tratamento aos diferentes riscos que o tumor possa oferecer, ratificando a necessidade de repensar sobre antigas condutas que ainda estão em vigência, por senso comum, em nosso país, por exemplo.
Mais uma vez, estamos diante de um cenário que indica que a conduta deve ser discutida conjuntamente com o paciente. Novamente discutimos tratamentos completamente diferentes para um mesmo diagnóstico, havendo diferenças significativas entre eles apenas em subgrupos específicos. No caso do câncer de próstata, acredito que a prostatectomia radical e seu risco de incontinência urinária e disfunção erétil traga perda de qualidade de vida, e assim sendo, comprovar que a conduta expectante não traz mais mortalidade do que a cirúrgica garantirá uma alternativa bastante importante para os pacientes!
Os resultados do estudo apresentado são surpreendentes, visto que é antinatural reconhecer que não tomar nenhuma iniciativa frente a um câncer tem resultados em mortalidade similares a abordagem cirúrgica em 20 anos de seguimento. Esse dado pode levar a mudanças radicais no tratamento de pacientes com tumores de próstata localizados, visto que a cirurgia tem complicações frequentes e que aumentam morbidade, como disfunção erétil e incontinência urinária. No entanto, imagino que pacientes teriam dificuldade de aceitar a conduta expectante, visto o estigma que a doença tem na nossa sociedade. Muitos prefeririam fazer a cirurgia e lidar com as complicações a viver na angústia de ter um câncer e não tratar.
O câncer de próstata é uma neoplasia indolente, visto que a maioria dos pacientes com essa neoplasia acabam falecendo com câncer de próstata, mas não pelo câncer de próstata. A abordagem cirúrgica de tumores ditos "iniciais" é uma clara demonstração de que a medicina pode, às vezes, causar mais dano do que benefício ao paciente. Apesar de se mostrar semelhante à conduta expectante, o tratamento cirúrgico leva a muitos mais danos colaterais e prejuízos sérios à qualidade de vida dos pacientes com câncer de próstata inicial. Assim como em qualquer conduta terapêutica, é necessário explicar este novo cenário aos pacientes, de forma a reduzir angústias e evitar danos colaterais, caso o paciente opte por conduta expectante.
Vale ressaltar aspectos não mencionados no texto, como efeitos colaterais da prostatectomia, cujos principais são a incontinência urinária (raramente após a cirurgia, o homem perde toda a capacidade de controlar sua urina; geralmente o controle da bexiga, em homens submetidos a cirurgia de câncer de próstata retorna ao normal dentro de algumas semanas ou meses após a prostatectomia radical) e a impotência (a capacidade de ter novamente ereções após a cirurgia, muitas vezes ocorre lentamente, podendo levar até 2 anos; durante os primeiros meses, o paciente provavelmente não será capaz de ter uma ereção espontânea, precisando usar medicamentos ou outros tratamentos; e a impotência permanece após a cirurgia, a sensação de orgasmo deve continuar a ser agradável, mas não existe a ejaculação do sêmen, o orgasmo é seco) . Entretanto, esses efeitos colaterais também podem ser provocados com outras formas de tratamento.
O câncer de próstata é uma malignidade com incidência e mortalidades muito significativas ente os homens. Apesar disso, ainda há muita discussão a respeito dos métodos de screenig que devem ser usados em nível de saúde pública. Mais do que isso, as opções terapêuticas ainda permanecem muito discutíveis, tendo em vista que estudos apontam poucas diferenças em questão de mortalidade quando se compara condutas invasivas e condutas expectantes no tratamento da doença em estágio moderado. Considerando os efeitos adversos que tem grande potencial de ocorrerem ao se optar pela cirurgia, é necessária que essa seja uma decisão compartilhada entre médico e paciente, com exposição de todos os aspectos positivos e negativos, evidenciados em estudos.
o câncer de próstata é uma das neoplasias malignas que deixa mais clara a necessidade de uma relação médico-paciente horizontal e definidora de rastreamento e tratamento de forma conjunta (um conversa e consenso entre médico e paciente). Esse dado de que não há diferença estatisticamente significante quanto à intervenção cirúrgica quando comparada à observação na mortalidade a longo prazo me faz refletir sobre quantas pessoas não são submetidas a procedimentos desnecessários. A prostatectomia pode reduzir qualidade de vida se vier acompanhada de efeitos indesejáveis, como disfunção sexual ou incontinência urinária. Mas a angústia de uma atitude expectante frente a uma condição tão cheia de estigmas que é o câncer pode trazer sofrimento ao paciente. Dessa forma, faz-se necessária uma boa conversa, que exponha de forma inteligível para o paciente suas opções e o tranquilize.
Sabe-se que o câncer de próstata é a neoplasia maligna mais incidente em homens e frequentemente se apresenta na forma localizada, por isso atribui-se importância para o estudo em questão. Como foi evidenciado pelo estudo, não houve diferença significativa na mortalidade entre o grupo da conduta expectante e o grupo que realizou cirurgia, mas são necessárias mais evidências que corroborem com esse resultado, visto que as opções terapêuticas ainda são controversas. É preciso, nesse caso, analisar os outros aspectos que envolvem o tratamento cirúrgico e a conduta expectante, como a disfunção erétil e incontinência urinária (ambos com taxas maiores no grupo da cirurgia); tais complicações envolvem a independência e a autoestima do paciente e com certeza são pontos que devem ser abordados e elucidados pelo médico na hora da escolha da terapêutica em conjunto com o paciente.
O número de diagnósticos de câncer de próstata aumentou com a utilização do PSA, especialmente no que se refere à doença localizada. Entretanto, há muitas controvérsias acerca da abordagem ideal desses pacientes. No estudo analisado, não houve diferença na mortalidade comparando a conduta expectante com cirurgia. Sabe-se que, em alguns pacientes, a neoplasia permanecerá estável, não tendo maiores implicações, enquanto que, em outros, apresentará progressão. Como a cirurgia tem risco de graves complicações, como disfunção sexual e incontinência urinária, a conduta expectante tem sido cada vez mais incorporada na rotina clínica. Esta é uma decisão compartilhada do médico e seu paciente, devendo ser expostos riscos, benefícios e limitações associados.
O câncer de próstata é a neoplasia que mais atinge os homens, causando muito medo e insegurança nessa população. O tratamento que se segue após o diagnóstico ainda é incerto, visto que os pacientes que são submetidos ao procedimento de prostectomia radial não tem aumento de sobrevida muito diferente dos pacientes que fazem tratamento expectante. Fatores relacionados também devem ser considerados na tomada de decisão com o paciente, visto que nos que realizaram a cirurgia fizeram menos tratamentos relacionados à progressão da doença, mas também tiveram mais problemas relacionados com a cirurgia, como incontinência urinária e disfunção erétil. É de extrema importância que o paciente esteja ciente das implicações no seu tratamento a fim de que a melhor conduta seja tomada para ele.
Dados do INCA de 2018 mostram a elevada incidência de câncer de próstata, se destacando com mais de 68 mil casos novos. Quando se trata de possibilidades terapêuticas direcionadas a esses pacientes a literatura é bastante heterogênea em seus achados, com artigos de anos anteriores mostrando importantes reduções de mortalidade e risco de metástases a distância com o emprego da terapêutica cirúrgica. Assim como também é possivel artigos que corroboram com o que foi apresentado pelo estudo em questão, os quais inclusive estão ali citados. Colocando na balança os achados apenas deste estudo basicamente temos que levar em conta os efeitos adversos relacionados ao procedimento cirúrgico e a possível de redução na necessidade de tratamentos relacionados à progressão da doença. Todavia, em se tratando de Medicina baseada em evidências, seria pertinente levarmos em conta os demais achados disponíveis na literatura até o atual momento para oferecermos o melhor tratamento ao nosso paciente. Além disso, aguardamos as possíveis metaanalises futuras que esclarecerao as dúvidas sobre as terapêuticas disponíveis, nos munindo assim com a melhor evidência científica possível para auxílio na tomada de decisão.
A humanização da medicina e o novo entendimento sobre “ser paciente” vem revolucionando a forma como idealizamos a conduta médica. Ao enxergar o paciente não apenas como portador de uma doença a ser curada, mas com um indivíduo social, com seus próprios medos, desejos e prioridades, constatamos que, muitas vezes, medidas julgadas mais resolutivas não implicam necessariamente em maior nível de satisfação das pessoas que às são submetidas. Sendo o câncer de próstata uma das neoplasias mais prevalentes no sexo masculino, com maior incidência em idades avançadas e tendo condutas bastante discrepantes quanto ao tratamento de estágios iniciais, o PIVOT Trial comparou duas condutas bastante antagônicas, a prostectomia radical e o acompanhamento observacional. O estudo mostrou uma diferença relativa de mortalidade por câncer de próstata 4% menor em pacientes que realizaram postectomia radical, entretanto as diferenças absolutas foram pequenas e nenhuma teve significância estatística. Por outro lado encontrou-se uma grande diferença nos efeitos adversos como função física, atividades diárias, incontinência urinária e disfunção erétil a favor da observação. Nesse contexto, acredito que o estudo exemplifica a importância de reconsiderar condutas visando a não maleficência e a busca de qualidade de vida e dignidade ao paciente.
É interessante perceber como a medicina vem se transformando e se redescobrindo diante do que se conhece hoje como Medicina baseada em evidências. As dúvidas geradas em contexto clínico são respondidas por metodologia científica, a qual busca (numa colocação simplificada) a melhoria da qualidade de vida por intervenções, de fato, efetivas. Em um cenário que visa direcionar a atenção principalmente ao paciente, isso se torna muito importante, uma vez que comprova à comunidade médica o que é mais importante, em determinado momento, em termos de manejo e de expectativas. Nesse caso, por exemplo, a não intervenção talvez signifique uma qualidade de vida muito maior em uma condição clínica na qual uma cirurgia importante não seja essencial. Os estudos agora, podem, por exemplo, direcionar seus esforços a classificar melhor quais são os pacientes que se beneficiariam ou não de uma intervenção como essa.
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