Carcinoma urotelial avançado

Explorando os avanços da taxonomia genômica 

Fleck, JF: Conexão Anticâncer 25(08), 2019

O carcinoma urotelial é o subtipo histológico predominante entre os tumores malignos que acometem a bexiga. Esporadicamente, pode também ser diagnosticado na pelve renal, ureter e uretra. Predomina no homem, onde a incidência e mortalidade superam em pelo menos três vezes aquelas observadas na mulher. Representa nos EUA a quarta neoplasia maligna mais frequente em homens, ocupando a sexta posição em incidência no mundo masculino (IARC: ASR = 9.6). Após o diagnóstico, a sobrevida global esperada em 5 anos é de 77%, considerando que na população geral metade dos pacientes têm detecção precoce. Este cenário favorável muda em estádios mais avançados. Na doença localmente avançada e metastática os índices de sobrevida global em 5 anos caem respectivamente para 35% e 5%. Aproximadamente 10% dos pacientes com câncer urotelial são diagnosticados nesta condição de doença irressecável ou disseminada. Embora não mais passível de tratamento curativo, o uso progressivo de quimioterapia em tratamento de primeira linha tem conduzido a uma sobrevida mediana atualizada de 15 meses. Na recidiva, o uso de bloqueadores de checkpoints imunológicos tem proporcionado uma sobrevida mediana adicional de 10.3 meses. Este cenário avançado e adverso tem sido objeto de estudo para novas drogas cuja farmacodinâmica encontra suporte na classificação molecular do carcinoma urotelial. O Cancer Genome Atlas introduziu uma nova taxonomia para o carcinoma urotelial, incluindo os subtipos basal e luminal. O subtipo luminal I está associado a uma menor probabilidade de resposta a imunoterapia (menor expressão de PD-L1) e maior probabilidade de expressão de alterações no gene codificador do fibroblast growth factor receptor (FGFR). Mutações e fusões de FGRF 2/3 são facilitadoras de carcinogênese, sendo encontradas em cerca de 20 a 37% dos carcinoma uroteliais luminal I, com expressão predominante em sítios anatômicos extravesicais. Um novo inibidor tirosina quinase (TKI - FGFR 1-4) denominado erdafitinib tem demonstrado atividade em tumores sólidos que expressem alterações FGFR, potencialmente interferindo em sua cadeia de transdução de sinal proliferativo.

Em julho de 2019, o New England Journal of Medicine publica os resultados do estudo BLC2001. Trata-se de um estudo multicêntrico e prospectivo de fase II que após avaliação de segurança e eficácia (fase I) incluiu 99 pacientes com carcinoma de células uroteliais localmente avançados ou metastáticos que expressavam mutação FGFR3 ou fusão FGFR 2/3, os quais teriam progredido após quimioterapia paliativa de primeira linha ou dentro de 12 meses após receberem quimioterapia neoadjuvante ou adjuvante. O estudo permitiu também a inclusão de pacientes inelegíveis para uso de cisplatina (Cockcroft-Gault GFR < 60 ml / 1.73 m2/ urina de 24 h ou neuropatia ≥ grau 2). Não havia restrição de elegibilidade para pacientes submetidos previamente a imunoterapia. Os pacientes foram tratados com erdafitinib 8 mg/dia e monitorados no 14º dia para atingir um nível sérico de fosfato compreendido entre 5.5 mg/dL e 7 mg/dL, considerado preditivo de resposta em avaliação de fase I. A homeostase do fosfato sérico é controlada pela atividade FGFR em túbulos renais por meio do eixo de sinalização FGF23, cuja inibição promove upregulation do fosfato sérico. Em pacientes que não atingiam o desejável nível sérico de fosfato (5.5 mg/dL) a dose de erdafitinib podia ser escalonada para 9 mg/dia sob controle farmacocinético. Os pacientes analisados tinham idade mediana de 68 anos, ECOG 0 e 1 (93%) com doença metastática visceral (79%) e progressão ou recidiva após quimioterapia (88%). Aproximadamente metade dos pacientes (53%) apresentavam uma GFR < 60 ml/min. A resposta objetiva foi de 40% no grupo total de pacientes tratados com erdafitinib, atingindo 59% em pacientes submetidos a imunoterapia prévia. Após 11.2 meses de follow-up mediano, a SLP mediana foi de 5.5 meses e a SG mediana atingiu 13.8 meses. Cerca de metade dos pacientes apresentaram eventos adversos ≥ grau 3. Destacam-se a esperada hiperfosfatemia (77%) que se mostrou autorregulada na sequência do tratamento e eventos oculares. Comparado a controles históricos, o uso de erdafitinib compara-se favoravelmente neste grupo específico de expressão genômica do carcinoma urotelial avançado. 

USA = United States of America, IARC = International Agency for Cancer Research, ASR = Age-Standardized Rate, TKI = Tyrosine-Kinase Inhibitor, GFR = Glomerular Filtration Rate, SLP = Sobrevida Livre de Progressão, SG = Sobrevida Global

 

Referências:

Y. Loriot, A. Necchi, S.H. Park, et al: Erdafitinib in Locally Advanced or Metastatic Urothelial Carcinoma, N Engl J Med381: 338 – 348, 2019

Young Kwang Chae, Keerthi Ranganath, Peter S. Hammerman, et al: Inhibition of the fibroblast growth factor receptor (FGFR) pathway: the current landscape and barriers to clinical application, Oncotarget8(9): 16052 – 74, 2017

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