Cancer de próstata refratário a castração

Detour de sobrevivência usando apalutamida

Peruzzo, N & Fleck, JF: Conexão Clínica 20(02), 2018

Dados epidemiológicos da International Agency for Research on Cancer (IARC) apontam para 1,1 M de casos novos de câncer de próstata por ano no mundo. A progressão da neoplasia após tratamento locoregional com cirurgia ou radioterapia costuma ser diagnosticada pela elevação dos níveis séricos de PSA. A elevação do marcador na ausência de evidência clínica por imagem dos sítios de metastatização é denomina progressão bioquímica. Um percentual expressivo de pacientes com progressão bioquímica responde ao tratamento de deprivação androgênica (orquiectomia cirúrgica ou clínica com agonistas LHRH). Invariavelmente, após alguns anos todos os pacientes irão recidivar e evoluir para uma situação indesejável de resistência à castração, cujo manejo terapêutico fica restrito ao uso de anti-androgênicos ou quimioterapia com resultados limitados. O dilema terapêutico fica magnificado quando a resistência à castração é evidenciada, exclusivamente, por progressão bioquímica. Cria-se uma situação peculiar de manejo fundamentado em custo-efetividade.

Em fevereiro de 2018, o New England Journal of Medicine publica o elegante estudo SPARTAN. Trata-se de um estudo prospectivo aleatório, duplo cego e de fase III, envolvendo mais de 1200 pacientes com câncer de próstata, resistentes a castração evidenciada por progressão bioquímica exclusiva, todavia com tempo de duplicação de PSA igual ou inferior a 10 meses, um fator preditivo de alto risco para emergência de doença metastática clinicamente detectável. Os pacientes foram distribuídos na proporção de 2:1 para o grupo teste tratados com apalutamida versus grupo controle submetidos apenas a placebo. Todos os pacientes foram mantidos em deprivação androgênica a despeito da resistência a castração. O estudo foi desenhado para avaliar o efeito terapêutico da apalutamida, um agente anti-androgênico não-esteroide que ao se ligar ao receptor androgênico bloqueia a via de sinalização, impedindo a translocação, ligação e transcrição do DNA, mediadas pelo acoplamento andrógeno-receptor. A interferência na transdução de sinalização proliferativa resulta em apoptose da célula tumoral. Já na análise primária programada foi possível identificar expressiva diferença no desfecho primário. Em pacientes tratados com apalutamida o risco de progressão para doença metastática ou morte foi 70% menor do que o observado no grupo placebo. A sobrevida mediana livre de metástases foi de 40,5 meses no grupo tratado com apalutamida versus 16,2 meses observados no grupo controle ( HR 0.28 em um intervalo de confiança de 95% com um p < 0.001). O benefício foi adicionalmente observado em desfechos secundários como o aumento do tempo para a progressão sintomática, início de quimioterapia e sobrevida global. Embora o uso de apalutamida tenha convivido com maior taxa de efeitos adversos, na sua maioria foram de grau leve a moderado. Os resultados do estudo SPARTAN é fortalecido por criteriosa avaliação periódica (a cada 4 semanas) para diagnóstico de doença metastática por imagem, seguida de análise confirmatória cegada. Adicionalmente, o estudo permitia o tratamento da doença metastática refratária a castração com tratamentos considerados standard, incluindo abiraterona + prednisona. O expressivo impacto obtido com apalutamida neste cenário da progressão bioquímica pós-castração lança uma hipótese de potencial benefício também na doença metastática.


Referências:

Nicola J. Clegg, John Wongvipat, James D. Joseph, et al: ARN-509: A Novel Antiandrogen for Prostate Cancer Treatment, Cancer Res; 72(6) March 15, 2012

Matthew R. Smith, Fred Saad, Simon Chowdhury, et al: Apalutamide Treatment and Metastasis-free Survival in Prostate Cancer, New Engl J Med, Feb 17, 2018