Avanços na interação irradiação e imunoterapia do câncer

Restaurando o efeito abscopal e a vacinação in situ

James Fleck: Conexão Anticâncer 21(11), 2020

O efeito abscopal foi um conceito descrito por Mole no British Journal of Radiology em 1953 para explicar um curioso fenômeno imunológico no qual haveria remissão do tumor à distância do local primariamente irradiado. O termo veio do latim e descreve algo que está acontecendo longe do alvo. O racional envolve a preparação das células imunes contra antígenos tumorais liberados após a radioterapia. Na medida em que as células tumorais são mortas por irradiação, antígenos tumorais liberados são expostos por células apresentadoras de antígenos a linfócitos T (células T CD-8 +) que reconhecem e matam células malignas, longe do tumor primário. O efeito abscopal foi historicamente raramente observado e publicado, sendo o conceito abandonado por muitos anos e só recentemente mencionado novamente com o uso crescente de bloqueadores de checkpoint imunológicos (anti-CTLA 4, anti-PD1 e anti-PDL1) na terapia do câncer.

Recentemente, o efeito abscopal foi revivido e associado à vacinação in situ. Em maio de 2019, os resultados preliminares de um esforço de pesquisa interdepartamental conduzido pela Icahn School of Medicine no Mont SinaiNew York, foram publicados na Nature Medicine. O modelo experimental incluiu tumores murinos e pacientes com Linfomas não-Hodgkin indolentes em estádios avançados (LNHis). Normalmente, os iNHLs respondem mal aos bloqueadores de checkpointsimunológicos. Embora as células de linfoma possam expressar antígenos tumorais específicos e estimular células T in vitro, essa iniciação direta de células T não é suficiente para induzir imunidade antitumoral in vivo, exigindo apresentação cruzada. Buscando superar essa limitação, os autores desenvolveram uma vacina in situ. Foi utilizado o ligante de tirosina quinase 3 análogo a Fms (Flt3L) para recrutar células dendríticas de apresentação cruzada intratumoral (CDs), terapia de irradiação para expor CDs a antígenos associados ao tumor e agonista de TLR3 para ativar as CDs. O modelo pré-clínico de vacinação in situ revelou acentuado acúmulo de CDs de apresentação cruzada intratumoral, que captam antígenos associados ao tumor, gerando uma resposta sistêmica de células T CD-8 + tumor-específicas. O uso de monoterapia com bloqueio de PD1 rendeu remissão tumoral durável. Em um estudo de fase I, pacientes com LNHis avançados mostraram expansão semelhante de CDs, supraexpressão de moléculas de checkpoint imunológicos e remissão durável de lesões metastáticas não-tratadas. Esses resultados preliminares abrem uma nova perspectiva na imunoterapia do câncer, demonstrando que a ativação de CDs de apresentação cruzada no local do tumor pode reiniciar a resposta de células T específicas contra o tumor, restaurando a eficácia do bloqueio de checkpoint imunológico e, consequentemente, produzindo maior e mais eficiente imunidade antitumoral.

Recentemente, novas estratégias de pesquisa translacional voltadas ao tratamento de ablação de tumor também estão resgatando o efeito abscopal. A radioterapia por emissores alfa de difusão conformada e altamente potente (Alpha DaRT) tem sido usada como um modelo experimental não apenas para tratamento local eficiente de tumores sólidos, mas também induzindo fortes respostas imunes antitumorais sistêmicas, atuando sobre doença residual local e metástases tumorais.

 

Referências:

 

  1. Mole RH: Whole body irradiation; radiobiology or medicine? . Br J Radiol, 26:234-241, 1953

     2.  Linda Hammerich, Thomas U. Marron, Ranjan Upadhyay, et al: Systemic clinical tumor regressions and potentiation of PD1 blockade with in situ vaccination, Nature Medicine 814 (25): 814–824, 2019

     3.  Y Keisari: Effective treatment of metastatic cancer by an innovative intratumoral alpha particle-mediated radiotherapy in combination with immunotherapy: A short review, J. Phys.: Conf. Ser. 1662 012016, 2020

     4.  Photo by Tim Mossholder on Unsplash