Comprendendo a farmacodinâmica
Fleck, J.F.: Conexão Anticâncer, 24(6):2015
Existe uma proteína chamada BRAF que está associada a uma rota de sinalização reguladora da multiplicação celular e mediada por efetores denominados MEK e ERK. Pode parecer complicado devido ao conjunto de letras, mas o processo é simples. Para a célula multiplicar-se é necessário o estímulo sequencial BRAF – MEK – ERK. Em condições normais, há necessidade adicional de uma ativação extracelular reguladora exercida sobre a proteína BRAF para desencadear a multiplicação das células. No entanto, a proteína BRAF é instável e sofre mutação em 50% das células do melanoma, predominando uma alteração no códon 600, caracterizada como BRAFV600E (BRAF mutado). Nesta circunstância, a ativação BRAF ganha autonomia, não respondendo mais a fatores reguladores e promovendo uma multiplicação celular excessiva, o que resulta na progressão do melanoma.
Uma nova droga denominada vemurafenib foi introduzida em 2012. Bloqueando a expressão de BRAF mutado, ela interrompe a cascata de sinalização favorável a multiplicação celular, o que aumenta significativamente a sobrevida de pacientes com melanoma metastático. No American Society of Clinical Oncology (ASCO) meeting, ocorrido em Chicago nos Estados Unidos em maio de 2015, observou-se uma melhora adicional na sobrevida de pacientes com melanoma metastático. Ela ocorreu quando os pacientes com melanoma BRAF mutados foram tratados com a combinação de vemurafenib mais uma droga bloqueadora MEK denominada cobimetinib. Abstraindo os nomes de difícil pronúncia, o processo resume-se a um bloqueio sequencial na rota de estímulo da proliferação celular. Outro avanço importante foi a identificação de uma droga denominada nivolumab que tem ação anti-PD1. A molécula PD1 está relacionada a inativação de células T do sistema imunológico, favorecendo a multiplicação tumoral. Ao bloquear a atividade PD1, o nivolumab melhora a detecção e destruição das células do melanoma pelo sistema imunológico. O que é mais alentador é que o nivolumab atua não somente contra o melanoma BRAF mutado, mas também contra o melanoma dito BRAF wild (não-mutado).
Referências:
James M. G. Larkin, Yibing Yan, Grant A. McArthur, Paolo Antonio Ascierto, et. al: Update of progression-free survival (PFS) and correlative biomarker analysis from coBRIM: Phase III study of cobimetinib (cobi) plus vemurafenib (vem) in advanced BRAF-mutated melanoma, J Clin Oncol 33, 2015 (suppl; abstr 9006)
James Larkin, MD, PhD; Christopher D. Lao, MD, MPH; et.al : Efficacy and Safety of Nivolumab in Patients With BRAF V600 Mutant and BRAF Wild-Type Advanced Melanoma: A Pooled Analysis of 4 Clinical Trials, JAMA Oncol., 2015
Published online May 21, 2015.
doi:10.1001/jamaoncol.2015.1184
As imunoterapias surgiram como uma revolução na forma de tratar diversas doenças, entre elas o melanoma. Tratamentos que outrora não tinham nenhuma especificidade e por isso acabavam por causar muito mal para o paciente, além do bem que é "matar" um câncer. Quando tem-se um alvo a ser atacado e esse alvo é presente exclusivamente em células neoplásicas, o tratamento se torna mais específico, mais eficaz e com menos efeitos colaterais. Algo tão inovador assim surgiu como esperança para pacientes com melanoma metastático, que outrora tinham um prognóstico tão desanimador. O vemurafenib tem como alvo o BRAF mutado, já o nivolumab atinge a molécula PD-1. A primeira droga é bem mais específica para determinado subtipo de melanoma, já a segunda ainda que específica tem "espectro" maior de ação, uma vez que "reativa" as células T do sistema imune para que ele mesmo aja contra as células neoplásicas. Usar os recursos que antes haviam sido subjugados para virar o jogo.
Não é por acaso que a imunoterapia foi responsável pelo mais recente prêmio Nobel. A revolução no âmbito da Medicina trazida por essas novas drogas é notável. Direcionar o tratamento para agir no ponto nevrálgico das neoplasias poupa pacientes de um sofrimento que a quimioterapia convencional não consegue contornar. Nesse tipo de terapia, uma molécula é sintetizada a fim de parar ou enfraquecer o processo replicativo do tumor - nesse caso, o melanoma. Ocorre que esse processo, diferentemente da terapia convencional, poupa outras células que também estão em processo mitótico intenso, como as células hematopoiéticas e as do folículo piloso, permitindo a interrupção da carcinogênese sem que haja um processo nocivo subjacente para o paciente.
O melanoma – forma mais grave de câncer de pele – é a 6ª neoplasia mais comum, tanto para homens quanto para mulheres, nos Estados Unidos. Apesar da maioria dos pacientes diagnosticarem o melanoma precocemente (quando a resseção cirúrgica ainda é curativa), alguns indivíduos já possuem metástases – ou essas surgem após o procedimento. A cirurgia para o melanoma metastático à distância, por sua vez, raramente é curativa, visto que a maioria dos pacientes tem doença micrometastática disseminada. O primeiro tratamento realmente capaz de alterar o prognóstico desses indivíduos foi o uso de altas doses de IL-2 – contudo, sua alta toxicidade impedia que fosse aplicado de maneira ampla. Dessa forma, o desenvolvimento dos tratamentos imunológicos – como os descritos no artigo - foi um grande avanço para o aumento da cura, da sobrevida e do bem estar desses pacientes: os alvos extremamente específicos do vemurafenib e do cobimetinib permitiram um tratamento com danos mínimos às células saudáveis, o que proporcionou um tratamento com efeitos adversos reduzidos. O uso do nivolumab, por sua vez, permitiu a abrangência das células tumorais sem a mutação BRAF V600 ao atuar diretamente na ação de nossos linfócitos T – o que expandiu o tratamento para um maior espectro da doença.
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