Resultados maduros do estudo FLAURA
Fleck, JF: Conexão Anticâncer 21(12), 2019
O câncer de pulmão ainda lidera globalmente a incidência (ASR = 22,5) e a mortalidade (ASR = 23,1) por doenças malignas. A maioria dos pacientes (85%) é diagnosticada com câncer de pulmão não de pequenas células (CPNPC) e o subtipo histológico mais comum (adenocarcinoma) inclui ampla expressão de fenótipos moleculares. Na era do sequenciamento genômico do câncer de pulmão, a presença de genes de predisposição para o câncer parece ser clinicamente menos relevante do que a mutação somática. Desde que foi descrita pela primeira vez em 2004, a mutação somática do EGFR (epidermal growth factor receptor) se tornou a mais importante mutação-alvo no tratamento do adenocarcinoma de pulmão. Atualmente, a mutação somática do EGFR é um fator prognóstico e preditivo para CPNPC. O domínio EGFR-quinase do tipo selvagem é intrinsecamente distorcido e só se torna ativo após dimerização. A mutação no EGFR causa uma ativação espontânea da cadeia de transdução de sinal mediada por tirosina-quinase (TK) ou diminuição do limiar para sua ativação mediada por dimerização. Os subtipos mutados mais frequentes são a deleção do exon 19 e a mutação pontual L858R no exon 21, representando respectivamente 45 e 35% de todos os CPNPC EGFR-mutados. Mutações localizadas entre o exon 18 e 21 geralmente conferem sensibilidade aos inibidores da tirosina quinase (TKI) mediados por EGFR, exceto aquelas localizadas no exon 20, incluindo a mutação de resistência T790M e inserções no exon 20. O osimertinib é um EGFR-TKI de terceira geração capaz de transpor a mutação de resistência T790M, mostrando também eficácia em metástases no SNC. Essa foi a principal justificativa para o desenho de um ensaio clínico prospectivo conhecido pelo acrônimo FLAURA. Pacientes com CPNPC EGFR mutados avançados e previamente não tratados, foram aleatoriamente distribuídos (1: 1) para um braço experimental que recebia osimertinib versus um braço standard tratado com gefitinib ou erlotinib. Uma análise preliminar, publicada em 2018, mostrou uma sobrevida livre de progressão favorecendo os pacientes tratados com osimertinib (HR = 0,46 P <0,001). A análise de segurança revelou uma menor incidência de eventos adversos graves, também favorecendo o osimertinib.
Em dezembro de 2019, o New England Journal of Medicine publicou resultados maduros do estudo FLAURA. Os pacientes foram estratificados de acordo com o status da mutação EGFR e raça. Os pacientes incluídos no grupo comparador, definidos como uma combinação daqueles que receberam gefitinib ou erlotinib, podiam receber osimertinib após a progressão da doença (crossover). Com base em um intervalo de confiança de 95%, a sobrevida global mediana foi de 38,5 meses para o braço tratado com osimertinib e 31,8 meses para o grupo comparador (HR = 0,80 P = 0,046). O perfil de segurança foi muito semelhante nos dois braços, exceto nos eventos cardíacos. Foi relatada uma redução na fração de ejeção em 5% dos pacientes tratados com osimertinib versus os 2% observados no grupo comparador. O prolongamento do intervalo QT no eletrocardiograma foi descrito em 10% no braço osimertinib versus os 4% observados no grupo comparador. O uso de osimertinib conduziu a uma redução de 20% no risco de morte, mesmo na presença de crossover favorecendo o grupo comparador. Na observação temporal, três vezes mais pacientes continuaram recebendo osimertinib do que gefitinib ou erlotinib no grupo comparador, o que pode eventualmente explicar a maior incidência de eventos cardíacos no braço tratado com osimertinib. O osimertinib também tem atividade em pacientes com metástases no SNC. Conforme descrito anteriormente, 50% dos CPNPC EGFR-mutados terão metástases no SNC no intervalo de três anos após o diagnóstico, o que adicionalmente incentiva o uso de osimertinib como novo padrão de tratamento.
AST = Age-standardized rate / 100000
Referencias:
1. S.S. Ramalingam, J. Vansteenkiste, D. Planchard, et al: Overall Survival with Osimertinib in Untreated, EGFR-Mutated Advanced NSCLC, N Engl J Med, Nov 21, 2019 DOI: 10.1056/NEJMoa1913662
2. Yue I. Cheng, Yun Cui Gan, Dan Liu, et al: Potential genetic modifiers for somatic EGFR mutation in lung cancer: a meta- analysis and literature review, BMC Cancer 19:1068, 2019
O artigo deixa claro os resultados positivos ao uso de osimertinibe para aumentar a sobrevida global média- 6,8 meses -de pacientes com câncer de pulmão não pequenas células com mutação para EGFR. Mas vale lembrar que há um forte viés corporativo no estudo, tendo em vista que o patrocinador AstraZeneca, distribuidor do osimertinibe, participa, tanto na elaboração da pesquisa quanto na coleta e análise de dados, além de não deixar claro quais meios de alocação foram utilizados para a randomização. Além disso, do ponto de vista econômico do SUS, é inviável, pois osimertinibe (36 mil reais) é, pelo menos, 4 vezes mais caro que gefitinibe ( 3,7 a 7 mil reais) e erlotinibe ( 8 mil reais).
Interessante observar que mesmo dentro do grupo de adenocarcinomas que apresentam mutação somática de EGFR há subgrupos específicos de alterações de éxons que modificam resposta à terapia. Nesse sentido, osimertinib transpõem a mutação de resistência no éxon 2O e aumenta sobrevida dos pacientes EGFR mutados. Num contexto em que a melhor forma de implementação e o custo-efetividade do screening para câncer de pulmão ainda está em estudos e portanto, em que o diagnóstico é na maioria das vezes tardio, um estudo que aumenta a sobrevida de pacientes com o tipo histológico mais comum de câncer de pulmão têm bastante relevância.
A mutação EGFR é uma das mais importantes mutação-alvo no tratamento do câncer de pulmão de não pequenas células. A epidemiologia dos pacientes com essa mutação difere dos que possuem o gene não mutado. Há probabilidade maior de serem não fumantes, sendo mais comum em asiáticos do que em ocidentais. Observou-se em metanálise (Yue I. Cheng, Yun Cui Gan, Dan Liu, et al, 2018) uma associação significativa entre histórico familiar de neoplasia e mutação EGFR em: asiáticos (RR 1,35); pacientes com adenocarcinoma (RR 1,47); e pacientes com parentes de primeiro grau com neoplasia de pulmão (RR 1,76)
O mapeamento molecular das mutações presentes nas diferentes neoplasias vem contribuindo para levar o tratamento oncológico a um novo patamar. O sequenciamento ao nível dos éxons do receptor EGFR mutado, prevendo inclusive a quais terapias o câncer será resistente dependendo de qual éxon específico está mutado, demonstra isso. O adenocarcinoma de pulmão é responsável por muitas mortes no mundo. Nesse sentido, o desenvolvimento de um fármaco que mostra resultados consistentes na redução de mortalidade, com um perfil adequado de efeitos adversos, e com ação sobre metástases no SNC, que representa um importante sítio de metástases dessa neoplasia, deve ser comemorado.
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