O olhar crítico de Mona Lisa
Fleck,JF & Gössling, G: Conexão Anticâncer 23 (07), 2018
No mundo, o carcinoma de mama luminal, Her2 (-) representa a expressão molecular mais prevalente. Na dependência do menopausal status as pacientes com doença avançada são tratadas com diversas formas de bloqueio hormonal. Pacientes com carcinoma de mama luminal, Her2 (-) diagnosticadas com doença avançada na pós-menopausa, habitualmente eram tratadas com um inibidor da aromatase (anastrazole ou letrozole). Recentemente, neste mesmo cenário, tem sido demonstrada a superioridade terapêutica de um degradador seletivo do receptor de estrogênio (fulvestranto). Foi também observado um efeito sinérgico na associação de um inibidor da aromatase (letrozole) com ribociclib, consequente ao bloqueio complementar na rota de sinalização de transdução CDK4/6 (cyclin D–cyclin-dependent kinase 4/6–retinoblastoma). Naturalmente, surge como hipótese alternativa o potencial benefício do uso combinado de ribociclib + fulvestranto versus fulvestranto+ placebo em pacientes com carcinoma avançado de mama receptor hormonal (RH) positivo, Her2 (-) no cenário pós-menopausa.
Surge o estudo MONALEESA III. Publicado no Journal of Clinical Oncology em junho de 2018, o estudo incluiu 726 pacientes pós-menopausa com carcinoma avançado de mama RH (+) Her2) (-) tratadas com intensão paliativa em primeira linha ou segunda linha hormonal. As pacientes foram distribuídas aleatoriamente na proporção 2:1 para o braço teste (ribociclib+ fulvestranto) ou braço controle (fulvestranto+ placebo). A adição de ribociclib determinou uma redução de 42% no risco de progressão da doença. A mediana da sobrevida livre de progressão (SLP) foi de 20.5 meses no braço de tratamento combinado versus 12.8 meses no braço controle (p < 0.001). O benefício foi consistente, sendo observado tanto no tratamento em primeira linha (HR 0.577 95% IC 0.415 - 0.802) como em segunda linha (HR0.565 95% IC 0.428 - 0.744). Os dados são ainda imaturos para avaliação de sobrevida global. Houve aumento de toxicidade associado a adição de um inibidor CDK4/6, predominando neutropenia, leucopenia e manifestações gastrintestinais. Uma alteração curiosa associada com a adição de ribociclib foi a identificação de um prolongamento no intervalo QT no eletrocardiograma, com um QT corrigido por Framingham (QTcF) maior do que 480ms ocorrendo em 5,6% das pacientes, mas felizmente sem repercussão clínica (taquicardia ventricular polimórfica).
Considerando o importante benefício em desfecho substitutivo (SLP) e relativa baixa toxicidade, a associação de ribociclib e fulvestranto pode vir a representar um novo padrão no tratamento de primeira ou segunda linha em pacientes com câncer de mama avançado receptor hormonal positivo, HER-2 negativo. Porém, sob o olhar crítico de Mona Lisa aguarda-se o desfecho duro em sobrevida global.
Referência:
Dennis J. Slamon, Patrick Neven, Stephen Chia, et al: Phase III Randomized Study of Ribociclib and Fulvestranto in Hormone Receptor–Positive, Human Epidermal Growth Factor Receptor 2–Negative Advanced Breast Cancer: MONALEESA-3, J Clin Oncol36, 2018
O câncer de mama é um dos tipos de câncer mais prevalentes em mulheres, e costuma ser emocionalmente devastador, não apenas pelo pavor que a doença causa em qualquer pessoa, mas também por ser em uma parte do corpo que simboliza a feminilidade em nossa sociedade, afetando de forma ainda mais drástica a autoestima das mulheres. O avanço que a pesquisa clínica está trazendo tem melhorado muito os tratamentos em uma velocidade que não se imaginaria há alguns anos, tendo o potencial de aumentar em vários meses a sobrevida de pacientes inclusive com câncer metastático avançado, que há uma década teriam um prognóstico muito pior.
A Sobrevida Livre de Progressão, utilizada como desfecho substitutivo no artigo em questão, é definida como tempo entre a randomização e a progressão da doença ou morte do paciente por qualquer causa. Pode ser avaliada antes da Sobrevida Global e, por incluir mortes, pode de fato estar relacionada à Sobrevida Global. Contudo, diversos fatores são críticos para a sua utilização como desfecho, tais como a maneira pela qual a progressão da doença foi avaliada nos braços do estudo e o tempo entre as avaliações. Assim, a Sobrevida Global segue sendo o desfecho mais confiável e preferível e que, apresentando resultados favoráveis, pode efetivamente consolidar um novo padrão de tratamento.
O resultado desse estudo é bastante significativo em termos de aumento de sobrevida. Em julho de 2018, o FDA expandiu as recomendações para o uso de ribociclib como terapia endócrina inicial para mulheres na pré e na perimenopausa com câncer HER2-negativo e HR-positivo avançado ou metastático (em 2017, já havia sido feita a recomendação para pós-menopausa). Essa decisão foi tomada com base no estudo MONALEESA-7, publicado em julho do mesmo ano, o qual comparou o uso de ribociclib + (tamoxifeno ou letrozol/anastrozol) + goserelina versus essas mesmas drogas + placebo de ribociclib. Em agosto de 2018, a European Commission aprovou o uso de ribociclib para uso em combinação com um inibidor de aromatase como primeira linha de tratamento desse mesmo subtipo de câncer em mulheres na pós-menopausa. O estudo Tell, que está em fase 1, está verificando as doses de segurança da associação ribociclib + tamoxifeno + goserelina em mulheres. No entanto, fico com uma dúvida (a qual não localizei na literatura): qual seria o benefício da MONOTERAPIA com ribociclib versus ribociclib + fulvestranto, e se há algum benefício do uso de ribociclib versus tamoxifeno. Seria a associação de ribociclib + fulvestranto + inibidor de aromatase tão superior ao uso de apenas ribociclib associado ao inibidor de aromatase?
O impacto do diagnóstico do câncer de mama em uma mulher determina um sofrimento psicológico que transcende ao sofrimento configurado pela doença em si, no que tange a ânsia pela sobrevivência e ao enfrentamento de um tratamento fastidioso. É um sofrimento que comporta representações e significados atribuídos à doença ao longo da história e da cultura e adentra as dimensões das propriedades do ser feminino, interferindo nas relações interpessoais, principalmente nas mais íntimas e básicas da mulher. Ao levarmos em conta os significados e representações que o seio adquire em nossa sociedade, em relação a maternidade (nutrição do bebê e fortalecimento da relação mãe-filho), sexualidade (prazer sexual e identidade de gênero) e feminilidade, não seria incongruente dizer que, para muitas pacientes, a falta da mama e a falta do seio poderiam representar, em um primeiro momento a morte simbólica da mulher. Considerar esses aspectos nas propostas de atenção à mulher com câncer de mama é substancial.
Existe uma característica em comum entre o estudo MONALEESA III e a obra de arte que serviu de inspiração para tal nome. A arte, antes de Da Vinci, tinha desenvolvido técnicas impressionantes quanto a representação fiel da natureza. Artistas como Van Eyck, reconhecido por sua capacidade única na representação de detalhes, e Mantegna, mestre na aplicação da perspectiva, criaram obras belíssimas, de valor inestimável para humanidade; entretanto, de maneira geral, tais ilustrações sugeriam a captura de um momento estático, inerte. Assim, justifica-se o mistério e a beleza de Mona Lisa: Leonardo descobriu como dar vida a sua obra. Da mesma maneira, o estudo que avalia o uso de ribociclib+ fulvestranto para o tratamento de carcinoma luminal de mama avançado (RH+, Her2 - ) pode trazer mais vida para as pacientes afetadas por essa condição. Apesar de lidarmos com um índice de curabilidade global do câncer de mama ao redor de 90%, a prevalência dessa doença faz com que um número muito expressivo de mulheres ainda avance negativamente no curso clínico do câncer. Medidas que aumentem a sobrevida livre de progressão aliada a uma diminuta taxa de efeitos adversos repercutem sobremaneira na qualidade, na autoestima e na felicidade dessas pacientes. Ainda que seja importante avaliar a repercussão do estudo sobre desfechos duros, como mortalidade geral, os resultados parciais implicam numa significante relevância clínico-farmacológica.
A importância do presente artigo não só representa um avanço significativo no tratamento para o câncer de mama, como também a esperança de muitas mulheres que sofrem com o diagnóstico fatídico da doença. Para a mulher, é importante saber que não está sozinha, que a ciência ainda busca incessantemente por soluções para que a doença torne-se cada vez menos agressiva e devastadora no campo físico e, principalmente, emocional para cada uma delas. Por questões estéticas, muitas mulheres acabam entrando em profunda depressão por acreditarem que sua vaidade não está mais presente, que sua feminilidade foi arrancada junto com sua mama no momento da cirurgia. Por isso, reforço a importância da atenção aos métodos de prevenção e detecção precoce do câncer de mama, pois a luta continua e a perseverança de que cada vez menos mulheres serão afetadas de forma tão agressiva e com prognóstico restrito deve permanecer dia após dia, ano após ano.
O câncer de mama é a neoplasia com maior incidência nas mulheres. Visto no passado como uma doença de mau prognóstico, o cenário deste tipo de câncer tem mudado com o advento de novas terapias. O medicamento em questão no estudo é exemplo desses avanços, apesar de os dados ainda serem imaturos para uma avaliação em relação à sobrevida global. No entanto, os avanços na área são promissores. O aumento da sobrevida, antes um tanto reservada, e a cura, antes rara, estão se tornando mais reais, mudando a face desta neoplasia.
A academia de Medicina ensinou-me a ser profundamente crítico sobre tudo aquilo que eu leia em artigos científicos, sempre ponderando vieses, desfechos, limitações. Creio que a análise sobre os efeitos positivos foram bem colocadas aqui no site; entretanto, na ausência do desfecho de sobrevida global, coloco-me ainda reticiente, já que o estudo somente possui 34% de todos os dados disponibilizados. Alguns eventos adversos foram elevados no grupo ribociclib + fulvestranto quando comparado ao fulvestranto + placebo, respectivamente: neutropenia (70% vs. 2%), náusea (45% vs. 28%), rash (18% vs. 6%), entre outros. Apesar disso, aguardo com algum otimismo os resultados de sobrevida global, esperando que se confirme o potencial para este tratamento consolidar-se como de primeira linha neste perfil de pacientes.
O artigo revela prognósticos positivos quanto ao câncer de mama pelo desfecho substitutivo e sua baixa toxidade, assim como pela associação de ribociclin e fulvestranto que substituem uso de inibidor de aromatase. Este fator de possibilidade de melhores resultados nos tratamentos possui importância ímpar para as mulheres, uma vez que câncer de mama vai muita além do campo físico, trazendo sofrimento emocional profundo, haja vista os seios e a feminilidade se entrelaçam em significado ao longo da história, desde o antigo Egito com o significado sagrado da amamentação, do significado de poder nas culturas africanas e do erótico na índia, condensando-se todas estas simbologias no próprio significado supro feminilidade no contexto histórico atual.
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