Análise crítica dos desfechos utilizados na aprovação pelo FDA
Basso, J & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 14(08), 2017
Em oncologia clínica a análise de eficácia de uma intervenção está fundamentada nos desfechos observados. Estes parâmetros incluem desfechos duros como a sobrevida global (overall survival – OS) e desfechos substitutivos como a sobrevida livre de progressão (progression-free survival – PFS). Uma dúvida metodológica recorrente consiste na credibilidade do uso de desfechos substitutivos como critério de antecipação do desfecho duro. Esta questão torna-se mais relevante com o surgimento de novas drogas que precisam ser rapidamente avaliadas quanto ao índice terapêutico.
Em maio de 2017 o Journal of Clinical Oncology publica um interessante estudo meta-epidemiológico comparando a magnitude dos desfechos PFS versus OS. O cenário envolveu estudos clínicos (fase II – IV) com anticorpos monoclonais que fundamentaram a aprovação pelo Food and Drug Administration (FDA) norte-americano no tratamento de diversas neoplasias. A base de dados na seleção de estudos foi o ClinicalTrials.gov
Os investigadores buscaram quantificar a magnitude dos desfechos PFS e OS através dos Hazard Ratios (HR) obtidos para cada estudo clínico e pelo cálculo da fração (rHR) dos HR(PFS) e respectivos HR(OS). Formam selecionados 51 estudos comparando 14 novas drogas aprovadas pelo FDA. Houve discrepância entre os desfechos em praticamente metade (45%) dos estudos clínicos, evidenciando benefício em PFS, não confirmado no OS. As maiores discrepâncias ocorreram com os anticorpos monoclonais obinutuzumab, bevacizumab, e rituximab.
Esta avaliação meta-epidemiológica aponta para a necessidade de uma análise criteriosa dos ensaios clínicos, buscando parâmetros seguros de eficácia. Este estudo indica que o desfecho PFS, apesar de permitir uma interpretação mais precoce dos resultados, talvez não antecipe o desfecho duro (OS). A análise clínica do índice terapêutico e a avaliação de custo-efetividade em saúde pública serão, seguramente, melhor avaliadas com desfecho duro.
Referência:
Tan, A.; Porcher, R.; Crequit, P.: Differences in Treatment Effect Size Between Overall Survival and Progression-Free Survival in Immunotherapy Trials: A Meta-Epidemiologic Study of Trials With Results Posted at ClinicalTrials.gov, J. Clin Oncol 35(15): 1686-94, 2017
A busca incessante por novos fármacos para o tratamento do câncer é muito importante para o avanço da medicina. Porém, é imprescindível que esses novos fármacos passem por todo o processo de testes antes de serem colocados no mercado. É necessário que se busque o máximo de informações sobre a capacidade desses medicamentos aumentar ou não a sobrevida e a qualidade de vida, mas também sobre seus efeitos adversos para os pacientes. Desse modo, antecipar resultados na tentativa de inserir esses medicamentos mais rapidamente ao mercado pode nos mostrar falsas respostas quando usados no tratamento do câncer.
A ciência é fundamental para o sucesso na área da saúde. Em oncologia, o achado de novas terapias, principalmente as terapias-alvo, é imprescindível para um aumento na sobrevida e até na cura total do câncer de pacientes com a doença, além de proporcionar qualidade no tratamento. O presente estudo mostra que anticorpos monoclonais utilizados no tratamento do câncer ainda precisam de mais estudos para sua liberação, uma vez que houve discrepância entre alguns medicamentos e não houve benefícios na sobrevida global.
Na ânsia de criar panoramas favoráveis no tratamento do câncer, muitas vezes pode-se transpor fases de estudo e algumas informações acerca dos fármacos que apresentem potencial na cura das neoplasias. Portanto, é importante que sejam estudos seus reais benefícios, principalmente no que diz respeito à redução de mortalidade. A terapia monoclonal tem grande potencial para ser um tratamento de sucesso para o câncer, no entanto, é preciso que sejam realizados estudos que evidenciem um real benefício na sobrevida de pacientes expostos a esse tipo de terapia e que apresentem menos diferenças entre as opções.
Na oncologia, a qualidade de vida é, por vezes, mais importante que o tempo de sobrevida uma vez que muitos medicamentos causam efeitos adversos tão ruins quanto ou, até, piores que a própria neoplasia. É difícil mensurar um critério tão subjetivo como "qualidade de vida" em um trial medicamentoso, assim, acabamos usando desfechos duros como sobrevida livre de progressão da doença. Tais dados sobre novos medicamentos servem como base para o profissional da saúde. Com o desenvolvimento de novos métodos terapêuticos como anticorpos monoclonais, imunoterapia e terapias-alvo, além da tradicional quimioterapia, abrem um leque de novas opções com melhora não só a sobrevida livre de progressão da doença mas de efeitos adversos. Cabe ao médico ter um bom senso crítico para ponderar entre efeitos adversos e sobrevida.
A oncologia é uma área muito promissora para o desenvolvimento de drogas, especialmente em doenças com prognóstico muito ruim e com pouquíssimas, ou nenhuma, opções de tratamento em estágios avançados de doença. Isso faz com que muitos estudos sejam realizados, buscando novos tratamentos e até mesmo benefícios que seriam visto como "pequenos" em outras áreas, são extremamente significativos. Aumentar para seis meses de sobrevida, quando antes era apenas um, é sextuplicar a sobrevida de um indivíduo e isso tem um impacto muito grande na hora de publicar os estudos. A sobrevida, contudo, não é o único parâmetro de interesse, tendo em vista que existe um consenso de que nada adianta viver, se for com uma doença muito avançada e muito incapacidade. Essa ideia popular que a maioria das pessoas tem é medida por um parâmetro chamado sobrevida livre de progressão da doença que é tão ou mais importante que a sobrevida bruta. O fato de um medicamento não apresentar aumento da sobrevida bruta, não quer dizer que ele não deva ser considerado, caso ele aumenta a sobrevida livre de progressão de doença, proporcionando mais qualidade de vida no momento de terminalidade desse paciente.
Os anticorpos monoclonais têm grande potencial e são considerados uma inovação, mas vale tomar nota de alguns aspectos como a via de administração (são aplicados de forma intravenosa) e os efeitos colaterais. Embora tenham menos efeitos colaterais que a quimio e a radioterapia, também podem causar efeitos indesejados, como reações alérgicas à proteína, febre, arrepios, fraqueza, dores de cabeça, náuseas, vômitos, diarreia e queda de pressão. Ao mesmo tempo, por enquanto são recomendados somente para alguns tipos de câncer. Por isso, cada caso deve ser estudado e avaliado por um médico para a indicação do tratamento com anticorpos monoclonais.
A imunoterapia é uma alternativa recente e promissora para muitas doenças (especialmente as reumatológicas). Por ser uma terapia alvo-específica, baseando-se no mecanismo das doenças, pode-se ter melhores benefícios em relação a outros tratamentos e sua ação mais focada pode reduzir efeitos adversos. O uso dessa terapia também nos dá uma oportunidade de obter uma melhor compreensão da resposta imune normal e patológica do organismo. Porém, ainda se trata de uma terapia cara e que pode não ser efetiva em todos os tipos de cânceres, sendo limitada (pelo menos por enquanto) a alguns. Me pergunto a quem, realmente, essa "tentativa" vai beneficiar, tanto pelo lado clínico [ainda não há garantia de benefícios expressivos da terapia em relação a outros tratamentos já estabelecidos] quanto pelo lado social [pois se trata de um tratamento elitizado].
Já considero que as terapias monoclonais provocaram mudanças de desfecho e sobrevida tão significativas que estabeleceram seu lugar como uma das maiores descobertas da história da medicina. Porém como tudo ciência média, devemos ter cautela. Estudos com desfechos de longo prazo e acompanhamento por décadas ainda são necessários para avaliar possíveis consequências destas novas medicações. Nossa área não está livre de erros e uso como exemplo a Talidomida, considerada segura em sua época até descobrirem seus efeitos teratogenicos.
O avanço na área de drogas oncológicas vem crescendo bastante e em um ritmo muito acelerado, visto que cada vez mais temos drogas novas sendo introduzidas no mercado, muitas vezes aumentando de modo significativo a sobrevida do paciente. No entanto, para que tal processo siga acontecendo, os estudos e seus respectivos resultados devem ser, além de bem feitos, mostrar-se promissores. Infelizmente, terapia monoclonal, mesmo tendo uma grande chance de ter resultados benéficos no futuro, ainda precisa de estudos mais estudos, visto que tal artigo mostrou discrepância entre algumas das drogas, além de não haver mostrado aumento da sobrevida geral.
Sou fascinado com esses novos fármacos que conseguem frear a evolução do câncer. Me lembra muito a questão de quando surgiu o AZT para HIV: conseguia controlar por um tempo, mas como era de apenas 1 mecanismo de ação, acabava selecionando formas resistentes e a doença progredia. Me pergunto se com o surgimento de vários anticorpos monoclonais, não será possível ter algo parecido com o que se tem com o atual "coquetel" TARV? Atingir várias rotas diferentes das células cancerígenas e tornar altamente improvável que estas células consigam acumular mutações para escapar de todos os fármacos. De qualquer forma, é importante refletir sobre os desfechos usados nos estudos para avaliar esses fármacos de forma racional.
Em todas as áreas da medicina os avanços farmacológicos vêm crescendo. No entanto, em oncologia esse assunto assume um contexto delicado, muito pela figura "mitológica" representada pelo câncer que pode nos fazer tomar decisões precipitadas, mesmo com as melhores intenções. Esse estudo comparando as magnitudes de efeito nos relembra da necessidade de manter constante juízo crítico na análise de artigos, levando em conta magnitude de efeito, custo do tratamento e a relevância dos desfechos utilizados no caso. A terapia imunobiológica é hoje uma área muito promissora, mas talvez seja necessário maior cuidado na avaliação desses medicamentos.
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