A busca do resgate curativo no câncer de cabeça e pescoço localmente avançado

Grupo de pesquisa italiano apresenta na European Society for Medical Oncology (ESMO) resultados promissores com quimioterapia de indução    

Franzoi, MA & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 04(12),2017

O Carcinoma Epidermóide de Cabeça e Pescoço (CECP) representa cerca de 5% das neoplasias diagnosticadas em adultos, com incidência global de 550.000 casos/ano. Possui fatores de risco bem estabelecidos, como o etilismo, o tabagismo e a infecção pelo vírus HPV, estando este último associado com tumores de melhor prognóstico. Consiste em um grupo heterogêneo de neoplasias, incluindo diversos sítios primários como a laringe, a faringe e a cavidade oral. Frequentemente, o CECP é diagnosticado em estágio localmente avançado (LA). Neste cenário, os pacientes apresentam doença volumosa, impossibilitando a ressecção cirúrgica curativa. Atualmente, o  standard of care para pacientes com CECP-LA consiste na combinação de radioterapia com quimioterapia baseada em cisplatina ou radioterapia associada ao cetuximab. Estas combinações terapêuticas tem propiciado uma sobrevida global em 5 anos variável de 35 a 45% na dependência do sitio de apresentação primário do tumor.

Com o objetivo de melhorar o desfecho, um grupo italiano denominado Gruppo di Studio Tumori della Testa e del Collo (GSTTC) conduziu um estudo de fase II/III avaliando o uso de quimioterapia de indução, precedendo o tratamento combinado. Os resultados foram apresentados no congresso da European Society for Medical Oncology (ESMO) e publicados na revista Annals of Oncology em agosto de 2017. O estudo incluiu 414 pacientes com CECP-LA com sítio primário localizado na cavidade oral, orofaringe e hipofaringe. Os pacientes foram distribuídos aleatoriamente para o regime de tratamento combinado padrão (radioterapia + quimioterapia ou radioterapia + cetuximab) ou para um regime de tratamento combinado experimental no qual a quimioterapia de indução com três drogas (docetaxel + cisplatina + fluorouracil) precedeu o tratamento combinado padrão. O estudo revelou a superioridade do grupo tratado com quimioterapia de indução na proporção de pacientes vivos em 3 anos de acompanhamento (57,5% no grupo experimental x 46,5% no grupo controle). Adicionalmente, a quimioterapia de indução proporcionou aumento na sobrevida global (p=0,031), redução na taxa de recidiva locoregional (p=0,036), maior taxa de resposta completa (p = 0,0028) e maior sobrevida livre de progressão ( p=0,013). A incidência de efeitos adversos (grau 3 e 4) foi significativamente maior para o grupo experimental (p=0,038), predominando a toxicidade hematológica (neutropenia febril em até 11% dos pacientes tratados com quimioterapia de indução). 

Este é o primeiro estudo em CECP-LA a demonstrar superioridade em sobrevida global em favor de um regime com quimioterapia de indução. Todavia, as limitações metodológicas decorrentes de um estudo de fase II/III, acrescidas da multiplicidade de braços, dose acumulativa menor de cisplatina, ausência do status HPV e não-cegamento remetem para a necessidade de confirmação. Permanecem em aberto questões como qual a melhor combinação de intervenções a serem utilizadas pós-quimioterapia de indução (radioterapia + quimioterapia x radioterapia + cetuximab) e qual o subgrupo de pacientes com CECP-LA que derivaria maior benefício com a quimioterapia de indução, discriminados pelo sítio primário, status HPV e/ou status linfonodal. A despeito das limitações, o UpToDate atualizou recentemente seu guideline, incorporando a quimioterapia de indução ao cenário terapêutico do CECP-LA.

 

Referências:

Ghi MG et al. Induction TPF followed by concomitant treatment versus concomitant treatment alone in locally advanced head and neck cancer - A phase II-III trial, Annals of Oncology 2017; 28: 2206-2217.

Pignon JP et al on behalf of the MACH-NC Collaborative group. Chemotherapy added to locoregional treatment for head and neck squamous-cell carcinoma: three meta-analyses of updated individual data, Lancet 2000; 355: 949-955.

Pignon JP et al. Meta-analysis of chemotherapy in head and neck cancer (MACH-NC): an update on 93 randomized trials and 17.346 patients, Rad Oncol 2009; 92: 4-14.

Brockstein BE, Vokes EE, Eisbruch A. Locally advanced squamous cell carcinoma of the head and neck: Approaches combining chemotherapy and radiation therapy. UpToDate 2017