Conhecendo melhor o inimigo interno
Fleck, J.F.: Conexão Anticâncer, 4(12):2014
A célula do câncer consiste em uma grande rede de comunicações bioquímicas, com sinalizações ocorrendo em todas as direções, tanto no sentido da membrana para o núcleo, como no sentido do núcleo para a membrana.
As agressões ao DNA provocam mutações que amplificam oncogenes ou inibem a expressão de genes supressores tumorais. Existem situações em que a célula tumoral expressa mais de cem mutações, provocando perda de sua forma e função originais. O comportamento celular torna-se agressivo localmente e dissemina células com aparente imortalidade pelas correntes sangüínea e linfática. O processo progressivo tende a perpetuar-se com a produção de fatores de crescimento e seus receptores.
Os fatores de crescimento são substâncias químicas sintetizadas pela célula tumoral e capazes de estimular sua própria multiplicação. Curiosamente, a célula tumoral também sintetiza os receptores para os fatores de crescimento que produzem. Este mecanismo de auto-perpetuação do crescimento é chamado de autócrino. Muitos destes fatores de crescimento já são conhecidos na sua estrutura química e função, como o Her-2, o EGFR, o VEGF, entre muitos outros que vem sendo descritos.
A terapia de alvo biológico vale-se deste conhecimento para atuar no bloqueio ou inibição da ação destes receptores, tornando o tratamento mais específico. Com uma visão panorâmica dos tumores mais freqüentes no mundo é possível entender a importância deste novo cenário terapêutico.
Um teste denominado FISH permite identificar no câncer de mama a supra-expressão de Her-2 em 20% das pacientes e a conseqüente indicação de tratamento com um medicamento denominado trastuzumab.
A expressão de EGFR mutante em pacientes com adenocarcinoma de pulmão favorece o uso de drogas como gefitinibe e erlotinibe.
A mutação de k-ras ocorre em 35 a 45% dos casos de câncer de cólon e reto, antecipando um pior desfecho no uso do anticorpo monoclonal anti-EGFR denominado cetuximab. Esta medicação passa, então, a ser indicada com maior eficácia nos 55 a 65% dos pacientes com câncer de cólon e reto que apresentam k-ras wild, ou seja, não-mutado.
Gradualmente, a Medicina vai avançando na melhor identificação dos pacientes que se beneficiam do uso destas novas drogas, melhorando o índice terapêutico e promovendo a personalização dos tratamentos.
O maior beneficiado com o avanço das pesquisas é o paciente. Na prática já observamos o aumento da expectativa de vida, c/ raros efeitos adversos dos pacientes submetidos a tratamentos com alvo molecular. Fica a esperança que surjam novas indicações!
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